O amor indefinido. O final em rubro.
Os
passos são lentos no corredor da morte, porque ninguém tem pressa em pegar o
elevador para os porões dos infernos.
Compreensível, porque o inferno em vida atormenta a cada um de maneira
diferente, em situações diferentes e com pesos diferentes. A falta de
entendimento da complexidade da dor alheia em sua totalidade é um artifício
divino para evitar a vitória do desespero sobre a esperança, da fúria sobre
bondade, do amor sobre... O entendimento do que é amor.
Pode-se argumentar, nessa linha de
raciocínio, que a ignorância é mesmo bondosa e o egoísmo separa a possibilidade
periculosa de que as dores se juntem e causem a explosão definitiva, sem chance
de recomeço para a humanidade.
Os meus passos, entretanto, no
corredor das minhas decisões agora são rápidos! Caminho veloz, quase sem tocar
o chão, o pensamento em chamas e os punhos cerrados, o cenho franzido em
concentração absurda, que impede a visão periférica e a existência de outras
hipóteses. Cada um carrega os seus ferimentos e tem o livre arbítrio para
continuar ou não com eles, a qualquer momento.
A clareza de meus pensamentos forma um
paradoxo com a escuridão dos sentimentos, e a determinação, a força e a coragem
para decidir por um término pode parecer, a um mero espectador, covardia e
cansaço ante o desfecho sugerido pela minha postura agressiva, como no ápice de
uma cena de um filme de ação em que a audiência toma partido entre um e outro,
de acordo com sua bagagem de vida ou ingenuidade perene.
No
fim desse corredor fica a porta do local que foi paraíso e pode se transformar
em caos; em um final rubro se vencerem os meus frios pensamentos quentes, ou
diáfanos como as soluções do cinema em que a paixão supera o tormento de uma
vida inteira.
Somos sol e lua, e isso pode ser muito
enganador, porque a frieza da lua pode ser muito mais cruel do que a gana
esmagadora do sol. Uma beleza que acalma e acalenta mantendo uma distância
segura, transformando homens em feras que uivam para ela, desprovidos
completamente de sanidade. Apenas adrenalina e destruição incontida.
Do sol pode-se citar o prazer do
calor, o brilho hipnotizante que pode cegar, a intensidade que, em um grau
acima vai derreter e machucar, secar até as raízes impossibilitando qualquer
renascimento após seu poder destrutivo surgir e passar, devastador.
Quem poderá tomar partido? Quem saberá
dizer o que é certo ou errado? Quem saberia que decisão tomar à beira do abismo
eterno sem os sentidos que existem para guiar e proteger? Um chute na porta,
que desaba como papelão, e aqueles olhos atentos, entre assustados e
entristecidos mal conseguem ser expostos sob a claridade difusa... Há
respiração entrecortada de um, forçada de outro; momentos de decisão costumam
ser assim. Os que não concederão volta, pelo menos. Olhos que se apertam contra
olhos que se arregalam. A voz dela continua suave mesmo sob o pavor. Mantenho
as pernas separadas para manter o equilíbrio, os músculos tesos, prestes a
determinar uma ação contundente, contra a imobilidade quieta, suave, da presa
que pode hipnotizar o predador a qualquer momento.
- Você não precisa usar nenhuma
arma... – a voz suave.
- Eu não carrego nenhuma arma. – a voz
rouca, tensa.
-
Eu sei que não vai me ouvir.
- Eu sei que suas palavras não servem.
- Ainda assim você não precisa usar
nenhuma arma. Causar destruição.
- Causar destruição? – um sorriso
entortado, cínico – Vivemos em destruição!
- Era um amor para a vida inteira. –
voz suave, melancólica.
- As definições de amor são
incalculáveis, inconstantes e sem valor científico. – voz baixa, contida,
esmagada por toda a ira do universo – As pessoas criam definições para
manipular.
- Você não precisa usar uma arma. –
nova advertência, apreensiva.
- Eu não carrego nenhuma arma – nova
sugestão de sorriso cínico, combinando com olhar triste – Carrego redenção com
pólvora.
Olhos arregalados, não surpresos,
sinceros. Uma constatação do fim. Nenhum movimento, entretanto. Um gesto tão
delicado quanto rápido e um revólver surge na mão estirada, engatilhado,
apontando com firmeza. Os lábios dela se entreabriram, mas não emitiram
qualquer som; as sobrancelhas delicadas se juntaram. Estavam ambos ante o
inevitável.
- Vá em frente. Trata-se de alívio
imediato para uma alma torturada uma vida inteira por algo sem definição. – a voz
suave estava conformada.
- Sim. Alívio imediato seria um prêmio
e tanto para alguém como você. – dentes trincados, a voz enrouquecida saindo
tão baixo que não permitiria sequer ecoar – Mas decido de maneira egoísta –
novo sorriso, um esgar de dor – Prefiro alívio imediato pra mim.
O
giro do pulso foi tão veloz quanto uma lâmpada acesa. O braço com a arma em
direção à própria têmpora. Os olhos arregalados e a bela boca pequena que se
abriu sem som; as mãos pequenas e macias que se estenderam inutilmente... O
tiro, seco. O tombo, surdo. A morte imediata. Alívio? Nunca saberemos. O final
em rubro. O amor indefinido.
Marcelo Gomes Melo
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