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Hoje escolho morrer mais cedo


             Hoje, morrerei mais cedo, para encontrar a portentosa dama do além que habita os meus delírios. Irei concentrado, reivindicar espaço na alcova morna, com enfeites diáfanos e maciez intencional, para o prazer escolhido.
          Eu sei dos sacrifícios quase irremediáveis para quem sobrevive em planeta distinto, e das renúncias obrigatórias aos que pretendem fazer do abandono um meio de amor imortal, de algum modo absurdo para quem permanece seguro em sua rotina monótona e pobre de sentidos.


          Morrer mais cedo é a única alternativa para alcançar redenção, um maltado com gelo à meia luz funcionando como teletransporte para o mundo da senhora dos desejos, que jamais sorri completamente, nem promete ostensivamente; no entanto atrai permanentemente. O olhar atrevido desafiando a jogar apostando o que há de mais sagrado, com todas as chances contrárias.
          Ainda assim, consciente da derrota, da impossibilidade da volta, observar a vida esvair-se pela fresta na pedra, escorrendo para o lago dos desencantos e daí para o oceano dos iludidos, achar válido entregar-se à morte dos princípios mais arraigados em troca de uma possibilidade... Em troca de nada além de uma mera possibilidade!


         É assim que vivem os que morrem de amor todo dia, sem saber se há reciprocidade real, pois passear de mãos dadas pela trilha da dor não garante nada, a não ser a necessidade de ter em quem se apoiar, e o sorriso exclusivo não é mais do que uma expressão de carinho que se repete sem oferecer convicção alguma de retorno igual; pode ser repetidamente oferecido a qualquer celerado que esteja presente em momentos-chave, sendo, portanto, enganação; apenas um paliativo.
          É a forma como caminham os que escolhem morrer mais cedo em troca de reciprocidade remota. Defender-se é estúpido; resistir é inútil.



Marcelo Gomes Melo

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