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Sobre como resistir cercados pelo infinito


     São largos e fundos os rios existentes em outros mundos, planetas paralelos acessados através de paisagens tridimensionais, e que nos fazem percorrer em velocidades distintas a seu bel prazer; não temos o controle nessa viagem sensorial em que as mudanças acontecem sem aviso nem transição justa ou adaptável.
Saímos de um rio tranquilo em calmaria aprazível para corredeiras estreitas, com águas velozes e irritadiças, rebeldes, irregulares e bravias entre rochas lisas e perigosas, sendo agitados de um lado para o outro, testando nossa força física e mental para domar as pancadas e os sustos, aguentando os ferimentos que virão, às vezes superficiais, às vezes imperceptíveis, mas que machucam e deixarão cicatrizes, nos obrigando a aprender a buscar, respirando fundo, caráter e esperança para sobreviver aos solavancos mortais que deixam muitos fora de combate, abandonados às margens da existência.

     Como a vida, essa corredeira do nada se transforma em riacho, onde meditamos e consertamos os ferimentos sem nenhum segundo de descanso, separada, em constante movimento, pois parar significa perder, e perder é desistir, deixar de existir.


     Num momento como esse é possível admirar o sol, a natureza, o brilho da lua; o sal para curar as feridas, a concentração para limitar as dores causadas pelas belezas enganosas do viver, do querer, do não ser e nem saber como vai terminar...

     Logo uma queda d’água imensa surgirá no caminho, sem aviso, sem perdão, nos atirando com força num abismo profundo, sufocando entre o poder das águas brancas espumantes, o barulho incessante, ensurdecedor de sua superioridade ante nossa fraqueza eterna; falta de importância contumaz, subjugados por tanta força natural que impiedosamente nos incute todo o medo da morte e a impossibilidade de lutar contra o inevitável.
     Durante essa queda infinita nos confrontamos com nossas insignificantes falhas, nossas dores embaraçosas, nosso tempo de vida tão curto em comparação com a eternidade dos elementos naturais que nos cercam.

E então chegamos a outro rio. Outro mundo. Nova Era de paz e tranquilidade em que pensamos ser possível reconstruir o que perdemos, refazer o que erramos, consertar o que quebramos, superar o que sofremos...

     Novas belezas, novos sonhos, novos aspectos em novos planetas. Vidas serenas novinhas em folha até que as conspurquemos, as tornemos frívolas e inúteis, nos levando a outras corredeiras e arranhões profundos, e luta, e vontade para sobreviver mais um dia ou cair à margem, sangrando lentamente até morrer.


     O infinito nos cerca todos os dias, mas somos insignificantes demais para encontrar uma saída. Mera folha de outono, passeando, seca ao sabor do vento. Há uma linha tênue entre viver e morrer; o amor é a linha que costura as fendas na carne dolorida que espicaça o cérebro; a dor é o alerta para que sobrevivamos à infecção que ele causa indiscriminadamente.
     Somos o que devemos ser. Nada mais. Nada além. É notório.


Marcelo Gomes Melo

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