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“Linguinha”



          O que deflagrou o problema como se fosse um ataque terrorista ao escritório de advocacia daquele prédio luxuoso no centro, a nata das firmas lucrativas e seus homens de negócios frios e calculistas foi apenas uma palavra, dita em voz alta na presença da suposta vítima, que odiava o apelido, o que era sabido por todos os seus colegas, do ascensorista ao maior investidor da empresa.
          Que sempre falavam às suas costas, imitavam e riam bastante, era notório, até ele sabia, embora fingisse que não. O que havia era essa linha tênue entre o desrespeito e a troça com a manutenção do status conquistado com muito trabalho e persistência.
          Era quase hora do almoço de um dia agitado na firma, com homens de terno e mulheres de tailleur circulando com documentos importantes, pastas misteriosas, falando ao telefone, todos funcionando na adrenalina máxima. Os problemas se multiplicavam e eles eram solucionadores. O bônus gordo de fim de ano dependia disso.
          Não havia espaço para piadas ou brincadeiras naquele ambiente, naquele momento em que o Doutor Ataildes cruzou o salão bufando, tenso, com o paletó de grife aberto, suando como funcionário de sauna, a pasta marrom de couro tremulando na mão direita como a bandeira da justiça. Ele se encaminhava ao escritório do chefe para discutir documentos importantes sobre um caso do qual estava encarregado, quando, de uma das muitas mesas do longo escritório ouviu-se um brado retumbante, num tom jocoso que causou uma explosão de risos imediatamente.
          As gargalhadas explodiram ininterruptas e o fizeram estacar no meio do corredor entre as mesas, como um camaleão. Imóvel, de olhos pétreos, mudando de cor, do pálido para o rosa e em seguida bordô, para finalmente atingir o tom púrpura. Apertou a alça da pasta de couro e gotas de suor escorreram por sua face.
          - Linguinha!



             Essa fora a palavra. O apelido da discórdia que algum gaiato sem coração, sem pai nem mãe ousara externar no pior momento possível, em que todos estavam sob a máxima pressão.
          Talvez esse tenha sido o motivo. Desencadear uma onda de gargalhadas que aliviasse o peso das responsabilidades trabalhistas, renovasse o ar do ambiente e retomasse as energias para a continuação do trabalho. Algo simples como reiniciar o computador para melhorar o seu desempenho.
          Até aí tudo bem, caso não fosse cruel aliviar o peso de vários trabalhadores depositando na conta de apenas um, que poderia superar ou não a brincadeira. Linguinha não superou. Odiava a alcunha que carregava desde os tempos de colégio, passando pela faculdade e que nenhuma aula de dicção ou fonoaudiologia corrigisse. O cérebro estava condicionado.
          Às vezes, nas noites de amor e sexo, admitia que sua amada parceira o sacaneasse assim, sem reclamar, pois o “vai linguinha” o acelerava no alcance do ápice. Depois, enquanto fumavam juntos ainda ficava emburrado com a mulher, mas superava.
          No campo, jogando futebol, quando as emoções estão à flor da pele lhe rendera diversas brigas e expulsões, inclusive com a tentativa de agredir ao árbitro e pessoas da torcida.
          Esse fora o calcanhar de Aquiles do Linguinha. Quando se virou em direção às mesas, as gargalhadas secaram e um silêncio incômodo, lotado de expectativa tomou conta de todos.
          O estagiário em pé na Xerox encolheu-se, tentando sumir do ambiente; as secretárias tentavam manter a pose como podiam e os advogados experientes juntavam as sobrancelhas tentando conter o riso e demonstrar concentração.
          Linguinha os observou, um a um, como um carcará sanguinolento, e após segundos que pareceram horas, se manifestou:
          - Que “poga” é essa, “kagalho”?! Quem foi o fdp que “ggigtou” isso? Vai “teg” que se “apgsentag agoga”! “Covagde do kagaio”!
          O homem afrouxou a gravata e passou a caminhar por entre as mesas brandindo a maleta como uma arma mortífera, um detector de quem o desrespeitara descaradamente. Olhava na cara de todos, furioso, sem obter qualquer confissão. Espuma no canto dos lábios, só ele falava, nervoso, enfurecido.


             - E então, “poga”? É homem “paga falag” pelas costas, mas não tem “cogagem” de confessar o insulto?
          Ele derrubou grampeadores e chutou cestos de lixo na caminhada da fúria, possesso como um vingador, digno como um francês.
          - Eu “jugo” que não vou “pgocessag”; só “quego matag” esse “desgagçado”!
           Atenção do chefe, que estava em sua sala aquário cercada por paredes de vidro em reunião com alguém importante foi logo atraída por aquela balbúrdia.
          - “Paguem” com isso, “bugos”  estúpidos! “Pegcisam tagtar bem aos companheigos”, não colocá-los “paga” baixo com esses “comentáguios” infantis! Quem foi? “Quego pogmeteg” que vou “dag” queixa “contga” o “salafaguio” que fez isso comigo!
          Quando estava verde como um pepino, o chefe chegou ao ambiente exigindo saber o que houve. O Linguinha estava a ponto de enfartar e foi chamado para a sala do patrão,conciliador, que ofereceu água e procurou acalmá-lo como podia, prometendo não medir esforços para descobrir e punir o culpado. Já conhecia o problema de língua presa de Ataildes.
          Apresentou ao homem que estava com ele na sala como o supervisor geral da empresa, que estava ali justamente para resolver problemas profissionais como aquele, que envolvia desrespeito por parte de colegas; assédio moral. O problema do doutor Ataildes seria o primeiro da lista.
          - Não é mesmo, senhor Maldonado? – o chefe perguntou, dirigindo-se ao supervisor, que, sentado com as pernas juntas e uma maleta 007 no colo apenas assentiu positivamente, sem abrir a boca para dizer nenhuma palavra.
          Linguinha foi se acalmando, ouvindo as ponderações do chefe e o clima foi melhorando; o estranho é que todas as vezes em que tentou incluir o supervisor no assunto, ele, parecendo meio assustado, colaborava apenas com gestos e sorrisos tensos, nada de falar.
          Finalmente Linguinha foi convencido pelo chefe a aguardar as investigações trabalhando em casa, via internet e retornar no dia seguinte com a solução para o cliente, e o probleminha dele estaria resolvido. Linguinha despediu-se do chefe e do supervisor, cruzando a sala de cabeça erguida, atento, digno e com vontade de fazer justiça com as próprias mãos; mas ninguém lhe deu motivos.
          Depois da saída de Ataildes linguinha, o chefe, curioso, quis saber do supervisor por que ele nada dissera na presença do advogado que esperava uma solução para o caso.
          O supervisor, então, respondeu:
          - “Clago” que eu não “diguia” nada! Já pensou se ele acha que eu estava “bigcando” com ele?


Marcelo Gomes Melo

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