Paus
e pedras podem quebrar meus ossos, mas palavras...
Era um garoto
dificultoso, o Trapizomba. Moleque chato, irrequieto, hiperativo, com sua voz
esganiçada e falta de educação perene... Sempre se intrometendo nas conversas,
de adultos e jovens, indiscriminadamente, o que fazia dele, mesmo tão jovem,
persona non grata no bairro. Os pais, coitados, o admoestavam como podiam; até
aplicavam-lhe algumas surras de vez em quando, típicas de pais preocupados, mas
que não apresentavam utilidade alguma, porque Trapizomba não melhorava, e
parecia ter couro de jacaré; apenas piorava o já nocivo comportamento social.
Já podia ser considerado, sem dúvida, o inimigo público número um do povo!
Trapizomba era articulado como um político corrupto, em seu
modo falho de usar a língua pátria. Criara um slogan ninguém sabia de onde e o
repetia após qualquer represália sofrida, sempre após se colocar a uma
distância segura dos agressores: “Paus e pedras podem quebrar meus ossos, mas
palavras não me atingem”. E isso irritava ainda mais!
No colégio ele puxava os cabelos e roubava as piranhas das
meninas, pedia pedaços de sanduíche, goles de refrigerante... Enchia a
paciência até apanhar. Então chorava, fazia escândalo, e quando era libertado
colocava-se logo a uma distância segura em que pudesse correr, só para provocar
e debochar dos algozes. “Paus e pedras podem quebrar meus ossos...”.
Certa vez Trapizomba atrapalhou tanto a uma reunião dos
colegas de colégio que tentavam jogar vídeo game na casa de Antonio, um de seus
amigos de classe, que este desfiou por completo uma passadeira da mãe dele só
para enforcá-lo numa arvorezinha do quintal.
“NÃO, TOTOINHO, EU VOU MORRER!”, ele urrava com a voz
engasgada, olhos esbugalhados, enquanto era içado pela corda improvisada. A chegada da mãe de Antonio o salvou, e ele
correu para a rua massageando o pescoço; ao chegar à esquina, considerando um
local seguro, passou a dançar e repetir seu bordão com a voz irritante,
avacalhando com os garotos até provocar uma perseguição.
Na mercearia do “seu Fagundinho” Trapizomba amassava as
frutas e mordia algumas, largando depois entre as outras; derrubava legumes e
saía chutando tubérculos pelos corredores, narrando partidas de futebol,
empurrando os carrinhos dos clientes para os lados e furando as embalagens.
Quando “seu Fagundinho” aparecia esbaforido, ele fugia para a rua, e se punha a
rebolar enervando o dono da mercearia berrando seu bordão até ficar vermelho.
O garoto costumava atormentar a freiras, padres, jovens e
adultos igualmente. Nessa época não havia bullying nem direitos unilaterais,
proteção a delinquentes nem direitos humanos apenas para corruptos desprovidos
de caráter; tampouco justiça com as próprias mãos, mas parecia que as
adversidades desse tipo eram bastante menores. E as más atitudes de Trapizomba
não eram nem de longe tão graves quanto as praticadas hoje em dia por muitos
garotos na mesma faixa etária.
Trapizomba sofria as punições por suas pequenas maldades
imediatamente, quer fosse através de gritos e xingamentos por parte dos
adultos, quer fosse através de cascudos e rasteiras por parte dos colegas; ás
vezes também sofria a justiça divina, coisa que nos dias atuais não funciona
com bandidos, sacanas e afins, de forma nenhuma.
A punição divina em questão foi assim tratada por todos
justamente porque tinha a ver com o slogan filosófico usado pelo famigerado
Trapizomba: “Paus e pedras podem quebrar meus ossos, mas palavras não me
atingem!”. Ao entrar na loja de materiais para construção com o intuito de
perturbar a paciência alheia, o garoto não percebeu que o dono havia mandado
reformar a fachada, e num andaime acima da porta muitas letras enormes, de
madeira e blocos de mármore se acumulavam, para serem inseridas pelos pedreiros
na nova fachada. Ao ser expulso pelos clientes da loja, Trapizomba voou para a
porta, gargalhando, até ser interrompido por uma das vigas que sustentavam o
andaime, metendo a cara e se estourando no chão. Automaticamente o andaime
cedeu e o soterrou com as pedras e as letras de madeira que formavam o nome da
loja: “VEM QUE TEM!”.
E dessa vez Trapizomba percebeu que as palavras também o
atingiam, de uma forma ou de outra.
Marcelo
Gomes Melo
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