Um
ermitão um dia resolveu retornar ao convívio social. Abandonou a caverna, tomou
um longo banho de cachoeira, raspou a longa barba, aparou os cabelos, vestiu
roupas simples e apresentáveis, calçou sapatos e desceu o morro tranquilamente
após quarenta anos afastado.
O
que viu foi, para ele, estarrecedor. Abandonara a vida em sociedade para viver
sozinho, em silêncio, sem interrupções bruscas ou conversas amáveis. Não queria
fazer parte daquela maioria de seguidores, com os seus desejos de status e
fingimento obsessivo, por isso partira.
Ao
deparar-se com os sons que ouvia ao longe constatou que era o aumento absurdo
de automóveis de todos os tipos, buzinando como loucos e pessoas trocando insultos
em um trânsito parado. Ninguém ia a lugar algum. As pessoas que estavam a pé
caminhavam como zumbis, não se enxergavam e nem conversavam, concentrados em um
pequeno aparelho no qual pareciam escrever ou assistir a alguma coisa,
totalmente encarcerados ao próprio mundo.
Caminhou
mais um pouco e percebeu que a população triplicara, havia anúncios de todos os
tipos e diversas lojas de comércio, cheias de gente brigando pelas promoções.
Entrou em um shopping, uma concentração de lojas com pessoas igualmente
apressadas, ignorando umas às outras, mas com um pouco mais de estilo.
O
decoro havia desaparecido das vestes, tanto masculinas quanto femininas; o
linguajar utilizado era um tipo de dialeto confuso permeado de palavrões que o
fizeram crer que o alfabeto não mais existia; se comunicavam como selvagens
antes da evolução dos primatas.
Ele
começou a pensar no porquê de ter ficado tanto tempo ausente para ficar
sozinho, já que agora todos pareciam estar sozinhos. A fé estava sendo
deturpada, assim como as leis e as regras de convivência. Todos estavam
sensíveis demais e qualquer manifestação gerava agressividade.
O
ambiente estava mais cinza, menos verde e muitos hospitais anunciavam pacotes
com descontos. Era preciso pagar para tentar curar as doenças geradas pela
evolução promovida por eles mesmos.
O
eremita coço o queixo, de olhos arregalados, cansou só de ver o esforço que
faziam correndo em máquinas dentro de um espaço fechado para depois comer um
alimento parecido com plástico, chamado fast food.
Ele
raciocinou que poderia viver isolado ali no meio de todos, sem ser importunado
por ninguém. Só que haveria um custo muito alto, que não estava disposto a
pagar: a própria sanidade.
Virou
as costas e lentamente retornou para o local em que estava, a sua boa e velha
caverna, na qual estaria sempre mais perto de Deus.
Marcelo
Gomes Melo
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