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Matar para comer: tesão reprimido – episódio final




           Nos estertores do tempo parti decidido ao encontro da deusa maldosa de gosto nocivo; a viúva negra, a mulher com tesão mórbido por controle, capaz de usar o sexo como escada para alcançar os níveis mais altos do prazer, reservados apenas para os iniciados nos mórbidos decanos do fetiche sepulcral.
          Ela adorava debruçar-se sobre o altar aveludado para conspurcar o corpo inanimado e gélido com seus fluidos quentes e vívidos. Atingir esse tremor que lhe dominava por segundos e lhe afastava da Terra era um “gozar formidável”, superior a qualquer bondade e senso comum que tentasse lhe impedir dos arroubos de crueldade, único caminho para o seu deleite inevitável e interminável.
          Decidido a obter o prêmio tão desejado sem enlamear o meu nome e a minha alma imortal assassinando a alguém, conquistando o passaporte para o inferno, bolei um plano infalível, e contei com a ajuda de um amigo papiloscopista que me emprestou a chave do necrotério no horário em que haveria apenas um vigia para evitar que os mortos abrissem as gavetas e fugissem, e que já estava avisado sobre a minha chegada. Depois eu pagaria algumas cervejas a ambos, em nome da amizade.
        Esse plano economizaria os gastos de um motel no primeiro encontro. Caso funcionasse poderia me dar bem em outras vezes sem matar a quem não estivesse morto.
          Peguei a deusa em casa e levei, de táxi, até o necrotério. Ela estava deslumbrante com aquele vestido vermelho decotado, batom combinando e expressão indecifrável. Não perguntou aonde iríamos, apenas suspirava e me olhava de forma penetrante de vez em quando, fazendo o meu sangue ferver. Tesão reprimido me fazia queimar de febre e desejo.



         Paguei o táxi e descemos no início da madrugada em frente ao necrotério. As ruas desertas e o friozinho macabro aceleravam as batidas do meu coração. Abri a porta e descemos as escadas de mãos dadas até a sala abaixo do nível da rua, que continha uma série de gavetas umas sobre as outras nos quatro cantos, com uma iluminação fria e assustadora.

          Ela respirava fortemente, clara excitação exposta ante a visão de algum cadáver que lhe seria mostrado em momentos.

          Espertamente coloquei o colchonete que levara comigo para usar ali mesmo no centro da sala. Tirei todas as roupas e joguei duro com ela: abri várias gavetas, exibindo diversos tipos de mortos, democraticamente. A mulher começou a gemer como um gato no cio! Passava as mãos pelo próprio corpo como uma dançarina erótica, olhos fixos nos cadáveres.

          Ela deu o bote sobre mim com fúria, me atirou sobre o colchonete, despindo-se em alta velocidade, possuída pela febre do rato, e me proporcionou o melhor sexo de todos os tempos na minha vida!

          Passivamente fui arrasado no colchonete por um par de horas. Quando amanheceu me dei conta que ela se fora e eu, nu e esgotado, só tive tempo para vestir as roupas e, trêmulo sair dali para devolver as chaves ao meu amigo.

          Nunca mais encontrei a mulher. No dia seguinte voltei à casa em que fui busca-la, mas fui informado de que ninguém morava ali. Não penso em nada além do prazer que obtive. Tenho real pavor de tentar desvendar o que acontecera, que era a dona... O orgulho de manter a ficha limpa é maior, não precisei matar a ninguém! Comi na pura inteligência. E tenho dito!





Marcelo Gomes Melo

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