Pais produtores de supostos astros e outras atrocidades
Marcos
Paptchuba era garoto quando o ex-jogador Maradona já aspirava uma carreira. E
ele também; só que no melhor sentido. Nascido e criado em cidade pequena, sem
opções acadêmicas nem profissionais, Paptchuba foi incentivado desde cedo, por
familiares, amigos e conterrâneos a “deitar o cabelo”, “puxar o carro”, “dar o
fora”, “dar o pira”, “dar área”, “sair andando”, “queimar o chão”, “cair no
mundo”... Todas essas expressões significando a mesma coisa: ir embora para a
cidade grande tentar enriquecer na vida e se tornar destaque nacional, quem
sabe mundial, elevando o nome de sua pequena cidade à imortalidade.
O apelido Paptchuba viera desde cedo,
com três aninhos de idade, quando era exposto pelos pais após a missa
dominical, no salão de festas da igreja. Alguém colocava um rockabilly qualquer
para tocar na vitrolinha do padre, faziam um círculo e Marcos era colocado no
centro, pondo-se a dançar desengonçadamente estalando os dedinhos, sem noção
alguma do que estava acontecendo.
Os pais orgulhosos recebiam os
elogios, sorridentes, acreditando piamente no que diziam: “será um grande astro!”,
“dança demais!”; “que lindo!”. Sem nenhum constrangimento faziam até planos
para o garoto, crentes de que ele se tornaria um excepcional artista.
Em diversas ocasiões, já mais velho,
fora fantasiado de Sidney Magall, Ney Matogrosso ou Elvis Presley, e o pai
tentava ensinar-lhe passos de dança em frente à TV. O que permaneceu na
performance de Marc os à medida em que crescia foi o estalar de dedos
característico, que lhe rendeu o apelido (e depois nome artístico) de
Paptchuba.
Os
cortes de cabelo eram escolhidos pelos pais, visando destacar o filho como
talento universal, então modelos Chitãozinho e Chororó, Reginaldo Rossi,
Roberto Carlos e inclusive os internacionais James Brown e Bob Marley foram
tentados pelo garoto.
A vestimenta vistosa, sempre em cores
vivas como vermelho sangue, amarelo ovo frito, verde marca texto eram
combinados sem economia. Quando o jovem surgia lembrava a bandeira de alguns
países africanos, coberto de cores; marcava a sua presença sem precisar abrir a
boca. Logo Marcos Paptchuba se transformaria em um marco turístico da cidade.
O estranho é que Marcos Paptchuba não
demonstrava talento algum para coisa nenhuma. Não dançava bem. Nunca dançara.
Quando foi crescendo, os passos de zumbi com cólica menstrual que dava enquanto
pequeno passaram de engraçados para ridículos. Os cortes de cabelo estilosos se
transformaram em bizarros. O que restava era a convicção dos pais de que possuíam
um diamante bruto nas mãos. Para os outros habitantes só uma dessas palavras
era verdadeira. E era a palavra que não brilhava. Então o incentivo para que
deixasse a cidade era sincero, tanto quanto o apelo dos pais; só que por razões
diferentes. Queriam se livrar do embaraço de ter alguém como Marcos Paptchuba
como destaque de sua cidade.
Os pais investiram nele anos a fio.
Pagaram cursos de violão, guitarra, bateria, viola, cavaquinho, baixo, teclado,
piano, sanfona, bumbo, maraca, pandeiro... Marcos mal conseguia empunhar um
triângulo! Nas aulas de voz não se deu nada bem. Era fanho e a gagueira
atrapalhava; nas artes plásticas não demonstrava qualquer condição de destaque,
a não ser pela ruindade e total falta de capacidade.
O
tempo foi passando e Paptchuba ficando cada vez mais angustiado com a própria
falta de evolução. Paranoico, achava que todos na cidade o julgavam a
expectativa eterna, o artista que não dera certo, a grande decepção da pequena
cidade.
Pressionado por todos os lados, só lhe
restou criar coragem e “dar no pé” de uma vez por todas, buscando a realização
dos seus sonhos e dos sonhos dos seus pais. Resoluto comprou uma passagem só de
ida para São Paulo e partiu sem olhar para trás.
Hoje Marcos Paptchuba telefona para os
pais sempre que vai aparecer na TV. E os pais colocam a televisão na praça à
hora da ave Maria, para que todos possam admirar o filho deles por breves
instantes.
Marcos Paptchuba especializara-se em
aparecer atrás dos repórteres dos programas policiais diários, na Cracolândia.
Ele era aquele rapaz de rosto precocemente envelhecido que sempre se
posicionava em frente à câmera e se punha a dançar como um zumbi, fazendo paz e
amor e estalando os dedos, inventando caretas e dando tchauzinho. Também
aparecia tomando banho na Praça da Sé e disputando espaço com bolivianos
tocadores de flauta, pastores que pregavam o fim do mundo, nordestinos vendendo
ervas para reativar a virilidade masculina e duplas caipiras que frequentavam
diariamente o local.
A apresentação de Paptchuba era sempre
a mesma, dançar encolhendo os ombros e estalar os dedos, a esmo, os olhos
perdidos, sem esperança... Mais um produto do egocentrismo familiar, destinado
a uma vida parasita e a uma morte bem lenta de seus sonhos, desprovido de
expectativas, sem noção, sem nada.
Marcelo Gomes Melo
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Seu feedback é uma honra!