A namorada do criminoso
A
namorada do criminoso é bela como um entardecer na praia, com seus modos
jeitosos e olhares convincentes. Os seus passos tão leves a levam à caverna em
que o criminoso se esconde, e então ela derrama sobre ele as bênçãos de uma
mulher iluminada.
A garota do criminoso fala como uma
escolhida, de voz aveludada, com o olhar baixo o suficiente para denotar
submissão, mas o queixo erguido o suficiente para demonstrar superioridade
nata, não forçada. Ela costuma passar incólume por entre os ratos que habitam a
caverna do criminoso, dividem com ele o lar e a escuridão. Ela jamais reclama,
parece não vê-los por lá, roendo restos das refeições que entrega
religiosamente ao namorado diariamente.
Disso o criminoso não pode ser
acusado; não dividir suas rações com os companheiros ratos e demais seres
rastejantes que parecem não assustar a princesa flutuante que é sua musa. Ela
tem o dom de envolver a carapaça dura e fria do criminoso com suavidade e amor,
e controlar com a respiração os instintos mais mortais da criatura.
A mulher do criminoso não o teme. Não
teme, também, os algozes que o perseguem, nem os juízes que o julgam, ou os
curiosos que o acusam; ignora aos covardes que o incriminam ao mesmo tempo em
que o temem. Ou o incriminam porque temem.
A namorada do criminoso sorri
bondosamente a seu tempo, distribuindo pílulas de amor como milho aos pombos da
praça, nocivos pela inutilidade da existência atual, embora extremamente ativos
na antiguidade, mensageiros de boas novas e segredos tétricos.
Ela
parece pairar acima de todos os outros seres, e o fato de namorar o criminoso
aumenta ainda mais o respeito com que lhe tratam a escória, e também a elite.
Só há elogios para suas atitudes e paixão platônica para sua pessoa, já que
ninguém ousaria tirá-la do criminoso; não por temê-lo, mas por saber que o amor
dela era intransponível, intransferível e eterno. Ninguém jamais poderia
competir com o criminoso, cujas boas referências desconheciam, muito menos a
capacidade dele de amar, mas por ela ser a perfeição sobre duas belas pernas,
exalando perfume francês e ajudando a todos, crentes ou descrentes sem
discriminação. Aliás, como poderia? Era a namorada do criminoso!
A namorada do criminoso desfrutava de
um status absurdamente elevado, sem almejar nada daquilo em momento algum; ou
exatamente por não almejar tanta influência. Namorá-la tornava o criminoso, aos
olhos dos outros, alguém com um resquício de alma, digno de habitar as
profundezas sem ser definitivamente eliminado da vida em sociedade.
O criminoso deveria agradecer a cada
momento pela existência de tão bela criatura que o amava incondicionalmente e
acalmava a fera contundente e aterrorizante que ele era desde que nascera;
deveria saber que ela era o único anteparo entre ele e o inferno em chamas, e
sua luz para o caminho inacabável e escuro da redenção.
Todos amavam a mulher do criminoso. As
mais jovens sonhavam imitá-la na postura, na beleza e na bondade, embora não
quisessem nenhum criminoso como marido; as mais velhas adoravam a sua devoção
humilde, a sua disposição com o namorado, a sua atuação como pacificadora
implorando perdão a Deus pelos crimes do desastre que era o seu homem.
Os
homens jovens a olhavam com ardor apaixonado, sem ousar dirigir-lhe a palavra,
mas todos a homenageavam em seus quartos, à noite, com uma mistura de medo e
prazer. Medo e vergonha de que suas mães descobrissem, e pavor indescritível de
que o criminoso soubesse! Os mais velhos a cumprimentavam com seus olhares
lascivos e sorrisos falsos, escondendo atrás do respeito excessivo seus desejos
mais nojentos.
Era unanimidade, a namorada do
criminoso. Principalmente quando chegava ao Banco após a visita ao seu homem e
abria a sacola cheia de dinheiro, depositando 80% em sua conta secreta e o
restante na conta conjunta com o seu namorado. Os gerentes sorriam, babavam e
tremiam, hipnotizados por tanta beleza e tanto dinheiro vivo! Os banqueiros
tiravam os chapéus e ofereciam café e licor, quem sabe um jantar ao anoitecer,
mas ela recusava docemente e se recolhia, tranquila, para preparar-se em seus
aposentos para uma nova caminhada ao amanhecer em direção à caverna.
Todos
ouviam as notas divinas do piano, tarde da noite, vindas do quarto da figura
atraente e superior, e imaginavam com inveja, comovidos, como alguém poderia
ser assim abençoada com tantos predicados. Após a peça bem tocada ao piano, a
namorada do criminoso recolhia os anéis de ouro que jaziam sobre o instrumento
e os recolocava em seus dedos finos e elegantes. Então retirava o peignoir e
dormia o sono dos justos em sua alcova macia e gigantesca, sem pensar na
caverna em que o criminoso, de olhos arregalados, abraçava o próprio corpo para
diminuir o frio e tentava sobreviver uma noite mais.
Marcelo Gomes Melo
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