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Entre as chamas e a escuridão



         A casa está em chamas, e a rede armada na varanda. A garrafa de cerveja descansando sobre as tábuas antigas e o balanço lento não o fazem pensar no calor iminente, do inferno consistente e consciente.
          Os passos de salto alto ecoam como um contrabaixo no ritmo do som do fogo crepitando. De couro negro, botas e roupas, os lábios vermelhos indiferentes se contraem levemente. Deboche, talvez.
          Os olhos fixados na rede e nele ignoram a destruição e o caos. A madeira crepitando é um som infernal! Uma ou outra explosão quebra a aparente tranquilidade.
          Não há vizinhos que se importem. Na realidade não há vizinhos. A floresta que os cerca está iluminada, refinando o paradoxo entre luz e escuridão.
          A luz da vida se encontra na floresta escura, enquanto o fogo espalha rapidamente a destruição. Entre ambos, fogo e escuridão, a rede de quem não se importa, balançando ora para um lado, ora para o outro. E ela. A testemunha do caos em botas pretas e lábios vermelhos, indiferente aos acontecimentos inevitáveis, esdrúxulos.
          A cerveja borbulha e a garrafa estoura, cacos estilhaçados por todo o espaço. O fogo alcança a rede, derrubando o homem na varanda de madeira. Por instantes ele parece sair da letargia, os olhos adquirem uma centelha de vida, talvez a última; então se dá conta da presença dela; mas a atenção dele logo se esvai e o homem se levanta sem perceber nem sentir as queimaduras.



            Ela sorri gentilmente e saca um cigarro do bolso da jaqueta de couro, mas ele a ignora, entrando com passos arrastados na casa em chamas.
          Nem sequer ouviu a voz sussurrada que escapou dos lábios vermelhos com olhos felinos apertados cinicamente. Colocando o cigarro apagado entre os lábios sensuais, ela perguntou:
          - Tem fogo?


Marcelo Gomes Melo


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