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Os perigos que o medo causa





              Foram os dois primeiros tiros. Exatamente esses os que causaram o início da confusão. Estávamos acampados à beira da praia, em volta de uma fogueira, dividindo a cerveja ao som de uma gaita de blues lamentosa. O ambiente de absoluta tranquilidade se modificou quando os estampidos soaram e ficaram reverberando em nossos ouvidos surpresos.
          As reações foram distintas e, muito tempo depois causariam risadas descontraídas ao serem mencionadas, mas naquele momento o terror se espalhava por todos os cantos daquele paradisíaco local inóspito. Eu levantei, soltando a lata de cerveja na areia e, girando o corpo em busca da faca de caça na mochila, mas a Regiane, desesperada agarrou em meu braço, gritando, os olhos verdes arregalados, iluminados apenas pela fogueira, o vento morno espalhando os cabelos ruivos. Naquele instante ela parecia com Chuck, o brinquedo assassino. Como raios eu iria protegê-la se ela estava me impedindo ao imobilizar o meu braço?! Dei alguns passos no meio da gritaria, arrastando-a como a um peso morto, pedindo que me largasse, mas ela nem ouvia! Tive que me livrar dela com um golpe de pé direito, o mais suavemente que pude.
             Demetrius e Cigana correram em direção ao escuro do mar; ela saltara sobre a fogueira e a saída de praia que a cobria pegou fogo, fazendo com que parecesse um meteoro em direção à Terra, gritando e abanando os braços.

            Dinah, a mais jovem do grupo travou e permaneceu no lugar, sentada em torno da fogueira, com tanto medo que enterrou a cabeça na areia, como um avestruz. Eusébio, Fernanda e Hélio correram na direção errada, buscando a trilha que os levaria para a avenida, mas de onde vieram os tiros. Ficaram paralisados ao encontrar o suposto atirador, uma cara enorme, barbudo, trajando um turbante e uma roupa tipicamente árabe, portando o que sugeria ser uma arma calibre doze.





              Correndo para a barraca em busca da mochila, ainda olhei para trás e vi Regiane se contorcendo na areia com ambas as mãos cobrindo o rosto. Eu não tinha como enxergar se havia algum sangue, estava distante. Os olhos dos três caras se esbugalharam quando uma garota nua passou correndo entre eles, na direção do mar. O árabe a estava perseguindo!
              Invadi a barraca e abri a mochila, de onde tirei a minha faca de caça jamais usada e retornei imediatamente ao campo de batalha. Era matar ou morrer! O que vi fez com que apertasse com força descomunal o cabo da faca e caminhasse pisando forte em direção aos meus amigos que cercavam o árabe, mas pareciam estar sorrindo amarelo.
              Na medida em que me aproximava percebi que era um falso árabe; usava uma toalha branca enrolada na cabeça e um roupão da mesma cor, desses de hotel, por cima da sunga de praia. Em suas mãos trazia o biquíni da parceira, uma garrafa de champagne e um rojão cilíndrico que ainda restava, após ter soltado os dois anteriores. Só aí me dei conta de olhar o céu e ver as últimas fagulhas dos fogos de artifício.
          Os outros voltaram, Cigana de biquíni sem a saída de praia queimada, e aceitaram um gole de champagne e um feliz ano novo. Regiane estancara o sangue do nariz, mas não me encarava e tinha um aspecto furioso. Melhor não arriscar com ela, por enquanto. O falso árabe pediu licença para encontrar a garota no mar e devolver-lhe o biquíni, prometendo que voltariam para umas cervejas conosco.

          Finquei a faca na areia e me acomodei em volta da fogueira. Um pouco envergonhados ficamos todos em silêncio constrangedor por vários minutos, cada um com os próprios pensamentos. Logo as cervejas fariam a alegria voltar e, aos poucos, os sorrisos sem graça aumentariam com as piadas horríveis e um ano novo igual aos outros.



Marcelo Gomes Melo

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