Discursos pré-batalha no bar do Gorgorão
Tomou
a última dose de cachaça e emborcou o copo batendo na mesa com violência,
rugindo como um dragão.
- Agora vou para casa dar uma sapatada
na xuranha.
- Esse caldo de bagaço de cana levanta
até defunto! – Completou o amigo estalando a língua.
O terceiro frequentador da mesa
espetou um pedaço de torresmo frio e mastigou, balançando positivamente com a
cabeça.
- Ainda mais no dia de alisar o xexéu,
morder a liberada, chafurdar na perseguida, se enroscar na ovelha...
- Isso mesmo, isso mesmo! Para dar um
bom tapa na cachorra, um conhaque cacifado cria um clima beligerante.
- Se bem que para a batalha sob os
cobertores, o soldado do amor necessita se livrar das armaduras.
- Chama outra rodada de conhaque,
então! E uma porção de ovo de codorna mergulhada no óleo de girassol.
- Camarada, na hora de desferir a
linguada na ostra é preciso destreza e força. Os ovos de codorna ajudam a
tramela a não tremer na rampa.
- Meus amigos, hoje eu depeno a
coruja, espalho o fel na taturana. Comigo é na ponta da costela!
O conhaque foi entornado sem cerimônia
e os ovos devorados entre gargalhadas. Um deles ergueu a mão e com voz pastosa
chamou o dono do bar, que secava copos em um canto, observando a TV.
-
Gorgorão, uma rodada daquela pinga com lombriga curtida dentro, chapa! Aquilo
dá um azedume no estômago, mas acelera a vontade de socar a tapioca, chunchar o
barro vermelho, lamber o frango cru.
- Eu tenho que me retirar, senhores
diretores amigos! Se demorar a dona da pensão vai regular a rapadura!
- Não, espera aí, espera aí! Toma mais
uma só para garantir. Capricha no copo da branca que você vai estrunchar a
tampinha de garrafa!
- Toma, vira! Você está com sangue nos
olhos, abençoado pelo ex-presidente, vai amassar o capô de fusca!
- Um brinde aos roedores de queijo
coalho!
A cachaça com um verme curtido dentro
como água ralo abaixo.
- Gorgorão, essa porção de carne de
porco ainda presta?
- É resto do almoço de ontem –
Gorgorão responde, olhando a carne esverdeada através da proteção de vidro
sobre o balcão.
- Traz! Vamos garantir a força viril
do desbravador da floresta negra essa noite! E uma dose de Paratudo para anular
o choque térmico do frio lá fora.
- É hoje! É hoje que você afofa a jiripoca, devasta o milharal, belisca a pele do frango...
Os brindes eram cada vez mais animados
e as vozes cada vez mais engroladas. Gorgorão aproximou-se da mesa e informou
que iria fechar, já era madrugada.
- Fecha a conta e passa a régua,
Gorgorão! Nosso soldado do amor vai para casa fazer a patroa guinchar no
abatedouro!
- Vixe! Hoje ela pede perdão no tanque
de lavar roupa!
-
O quarto vai ser uma panela de pressão cozinhando pato!
- Esse vai se lambuzar no caqui,
chupar pitomba e cuspir o caroço na gaveta do criado mudo.
- A véia vai sofrer a picadura do
marimbondo!
E saíram madrugada adentro,
cambaleando em direção às suas residências.
Foram encontrados na manhã seguinte,
abraçados com a sarjeta, cobertos de orvalho e protegidos pela grande
quantidade de pinga consumida no bar do Gorgorão.
Marcelo Gomes Melo
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