Um homem chamado cavalo? (Sou cavalo, mas não sou burro)
Não
é por causa do filme histórico A Man called Horse, com Sir Richard Harris no
papel de um aristocrata inglês capturado por uma tribo indígena e transformado
em besta de carga, até que passe a conviver com uma nova cultura e se adaptar a
ela. Eu sou conhecido como cavalo por diversas outras razões: trabalho como um
animal de quatro patas puxador de carroças; como feito um desesperado para
manter a força e suportar a lida sob o sol ou chuva, calor ou frio; dizem que é
impossível me enxergar atrás do prato à hora das refeições; minhas mãos são
duras como pedra e enormes como uma raquete de tênis. Estou sempre suado, com
roupas velhas e castigadas pelo uso, embora limpinhas.
Eu costumo falar bruscamente, cidadão
tosco de poucas palavras, ditas aos solavancos como se não me pertencessem. Não
gosto de lenga, lenga. Escreveu, não leu, o pau comeu! Depois de umas vinte
rodadas de caninha, se quiserem me provocar, derrubo o bar inteiro! Gosto de
contar que sei domar javalis e amanso quenga com o calor do corpo. Quando me
chamam de cavalo, sempre respondo, “sou cavalo, mas não sou burro”.
Tenho conta na padaria, no boteco do
Edgard e na casa de tolerância da tia Sonia, sou bom pagador, por isso tenho
crédito. Sou proprietário de um pequeno sítio, com meia dúzia de vacas, um
cavalo velho e dois cachorros. Toda noite, antes de dormir, fico algum tempo
sentado na varanda, em minha cadeira de balanço, fumando cachimbo e pensando na
vida.
É
estranho ver essa gente de paletó e gravata falando difícil na televisão e
dificultando a vida dos menos favorecidos. E mais gente, também de paletó e
gravata criticando aos que falam difícil, embora pareçam ser iguais. Do lado de
cá da televisão eles parecem raposas, que se esgueiram na madrugada para invadir
o galinheiro e promover um massacre digno de um filme de terror. É impossível
para um cavalão como eu acreditar nessas pessoas cobertas de maquiagem,
sorrindo falsamente em direção a uma máquina de enganar tapados. E os tapados
somos nós!
Eles dizem que eu tenho que acreditar
e tenho que votar e confiar em quem eu não conheço. Sou cavalo, mas não sou
burro! Como vou votar em gente de plástico que vive mentindo e roubando,
negando e insistindo, acabando com a ordem e pregando que desgraça pouca é
bobagem?
Aqui no buraco em que vivo, fico
imaginando, antes de dormir, quando a civilização chegará a essas bandas,
destruindo nossos sonhos e varrendo do mapa mais um local ermo em que as velhas
regras de convivência ainda valem; em que a palavra de honra ainda existe e o
consumo desnecessário não é obrigatório e muito menos incentivado em nome de
lucros cada vez mais altos, mesmo que destruam seres humanos.
A voracidade com que se atracam com
dinheiro e poder tira o bom senso e elimina a razão dos mandatários. Eles
passam a arriscar qualquer coisa para continuar ricos e no poder, inclusive
produzir doenças e guerras, criar leis que obriguem a gastar com algum
acessório desnecessário e depois mudar; vender automóveis que alcançam 300 km
por hora e depois limitar a velocidade a 50 km horários... Como eu disse, sou
cavalo, mas não sou burro.
Marcelo Gomes Melo
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