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Ritual do amor inacabável



          Sentei-lhe a vara sem piedade! Não perdoei em nenhum momento. Os gritos dela ecoaram pela praia deserta àquela hora, sendo levados pelo vento em direção ao mar, abafados pelo ronronar das ondas que lambiam as rochas deixando um rastro de espuma branca.
          O suor escorria pelo meu corpo quente e meus músculos retesados pelo esforço saltavam involuntariamente. A concentração completa me fazia apertar os olhos, que brilhavam como um pisca alerta; os lábios secos solicitavam a participação da minha língua a todo o momento. Uma gaivota cortou os céus azuis nos observando do alto, intensamente voyeur.
          Parei por um segundo apenas para secar o suor da testa com as costas da mão. Ela ficou imóvel por um segundo aos meus pés, virando o rosto para me fitar de maneira enviesada, emitindo um tipo de grunhido selvagem. Isso me instigou a continuar a meter a ripa!
          Quanto mais eu a castigava naquela praia, mais ela reagia, retorcendo o corpo suado e bronzeado na areia, que lhe cobria o corpo e fazia dela um exótico bife à milanesa. Não podia parar, era preciso satisfazer àquela fúria em seu olhar e em seu proceder para arrancar um suspiro de paz e alívio.
          Eu sentia que o meu dever era adoçar a cantilena crua da mulher incandescente com uma surra incomensurável de pau Brasil. Enquanto me restassem forças seriam usadas nela e com ela; por ela. Quanto mais eu arrepiava, mais ela se contorcia; quanto mais eu mandava a lenha, mais ela pedia mais. Rugia, olhava para trás e sorria, provocava, se atrevia!



          Confesso que chega a assustar uma atitude assim, mas homem que é homem faz o que tem que fazer. Não reclamei. Em momento nenhum resisti nem neguei a minha função.
          Tão concentrado estava que nem reparei na aproximação das pessoas. Vinham de todos os lados, dos quiosques; banhistas curiosos de todo o tipo: os bêbados, que se divertiam com a cena; os hipócritas, que criticavam o que viam, embora não hesitassem em fazer o mesmo, caso tivessem a chance. Os adolescentes filmavam com seus celulares, logo se tornaria viral nas redes sociais, a nossa performance estranha ao local.
          Juro que fiquei um tanto constrangido, pois nunca havia sido flagrado em situação idêntica; nem parecida. Mas a minha determinação era imensa e chega um ponto em que um homem não tem mais como parar o que começou, precisa ir até o fim.
          Limitei-me a confiar em meus instintos masculinos ancestrais para cumprir com a receita que me foi passada como milagrosa para acalmar mulheres como ela, em constante desespero da alma.
          A polícia foi chamada, eu sabia que aconteceria, por isso acelerei meus movimentos, baixando o ramo de espinheira cada vez com mais força e velocidade; os assistentes estavam hipnotizados; algumas idosas rezavam e se benziam, outras gostavam do que viam.
          Os policiais tentaram me segurar e afastar dela, me algemar, inclusive. Tentei explicar, balbuciando, cansado, mas não me ouviam. Só informavam que eu seria levado para a delegacia mais próxima, junto com ela. Caindo na realidade, urrei com toda a força dos pulmões:
          - Eu estava seguindo a receita que me mandaram fazer para tirar o diabo do corpo dela! Dando uma surra de cipó e um banho de água salgada! Não a estava espancando! Trata-se de um ritual! Olhe para ela, como está fora de si! Os olhos esbugalhados e vermelhos, os cabelos ensopados e o corpo todo marcado pelas lanhadas da vara de marmelo.



          Os policiais, no entanto, argumentaram que poderia ser o efeito de substâncias proibidas e um ritual macabro ao ar livre, então teríamos que explicar direito na delegacia.
          O fato é que ela foi se acalmando no chiqueirinho do carro da polícia, o que me fez pensar que da próxima vez bastaria ligar o número da emergência e tudo ficaria mais fácil. O que não se faz por amor!



Marcelo Gomes Melo

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