O
quereres (Caetano Veloso)
Poema musicado escrito
em estilo Barroco, cheio de versos permeados por antíteses denotando o
confronto inevitável entre o Bem e o Mal, que causa no ser humano dúvidas
extremas e arrependimentos, tanto dos prazeres quase sempre pecaminosos quanto
das virtudes mais divinas.
“A antítese que permeia a vida e destrói linhas retas. Nada
é irreversível. Nem a morte.”
Onde queres revólver, sou coqueiro
Onde queres dinheiro, sou paixão
Onde queres descanso, sou desejo
E onde sou só desejo, queres não
E onde não queres nada, nada falta
E onde voas bem alta, eu sou o chão
E onde pisas o chão, minha alma salta
Onde queres dinheiro, sou paixão
Onde queres descanso, sou desejo
E onde sou só desejo, queres não
E onde não queres nada, nada falta
E onde voas bem alta, eu sou o chão
E onde pisas o chão, minha alma salta
E ganha liberdade na amplidão
Onde queres família, sou maluco
E onde queres romântico, burguês
Onde queres Leblon, sou Pernambuco
E onde queres eunuco, garanhão
Onde queres o sim e o não, talvez
E onde vês, eu não vislumbro razão
Onde o queres o lobo, eu sou o irmão
E onde queres cowboy, eu sou chinês
Ah! bruta flor do querer
Ah! bruta flor, bruta flor
Onde queres o ato, eu sou o espírito
E onde queres ternura, eu sou tesão
Onde queres o livre, decassílabo
E onde buscas o anjo, sou mulher
Onde queres prazer, sou o que dói
E onde queres tortura, mansidão
Onde queres um lar, revolução
E onde queres bandido, sou herói
Eu queria querer-te amar o amor
Construir-nos dulcíssima prisão
Encontrar a mais justa adequação
Tudo métrica e rima e nunca dor
Mas a vida é real e de viés
E vê só que cilada o amor me armou
Eu te quero (e não queres) como sou
Não te quero (e não queres) como és
Ah! bruta flor do querer
Ah! bruta flor, bruta flor
Onde queres comício, flipper-vídeo
E onde queres romance, rock'n roll
Onde queres a lua, eu sou o sol
Onde a pura natura, o inseticídio
Onde queres mistério, eu sou a luz
E onde queres um canto, o mundo inteiro
Onde queres quaresma, fevereiro
E onde queres coqueiro, eu sou obus
O quereres e o estares sempre a fim
Do que em mim é de mim tão desigual
Faz-me querer-te bem, querer-te mal
Bem a ti, mal ao quereres assim
Infinitivamente pessoal
E querendo querer-te sem ter fim
E, querendo-te, aprender o total
Do querer que há e do que não há em mim
O conflito do poema é inquietante, quando os
personagens parecem não se entender por conta da completa diferença de opiniões
e estilos pessoais; mesmo assim, ambos caíram na cilada armada pelo amor, que
os obriga a descobrir e praticar a arte de “estar junto”, tolerando as
diferenças e superando-as, buscando domar a bruta flor do querer, que machuca e
enternece, a seu tempo.
Marcelo Gomes Melo
Se completam nas diferenças e isso faz deles perfeitos um para o outro, porque se um voa, o outro é o chão.
ResponderExcluirSem muitas palavras para descrever obra tão perfeita.
Boa noite Marcelo, é sempre um prazer vir aqui.
A honra de sua presença é minha. Valeu!
ResponderExcluir