O
que dizer sobre as vilanias de amor?
“No
final essas sacanas só merecem o meu horror”, disse o homem aparelhado com
algemas congeladas e correntes nos tornozelos que obrigam a caminhar como uma
criança a prendendo a andar. A punição é retornar ao início de sua vida, quando
precisava de ajuda para caminhar, sem saber nada a respeito da vida que viria a
seguir, com todos os seus mortais ao avesso, carpados e cheios de dificuldades?
“Mulher, não imagino a razão para que
você seja tão má; assaltando minha carteira toda vez que eu vou deitar.
Trabalhei a noite inteira para nos sustentar, e quando chego ao aconchego da
cama em que vou apagar, você me espera entrar no mundo dos sonhos para meus
bolsos depenar!”. O homem condenado por algo que fez para se libertar não
retira o que fez, mesmo porque é impossível; apenas lamenta e tenta entender
algo que parecia impossível acontecer com qualquer um nesse mundo de meu Deus!
Era um trabalhador contumaz, simplório
em suas convicções, à margem do brilho dos holofotes por escolha própria.
Desejava apenas uma vida de paz e rotina tranquilizadora, e era isso o que
tinha em seu poder, fazendo com que se sentisse plenamente satisfeito.
Entretanto, a vida dá voltas e a falta de escrúpulos da rainha que elegeu para
ser a dona de seu reinado cometeu o pior erro, apunhalando o homem no local que
mais o tornava fraco, sem condições de se defender, morrendo aos poucos... O
seu bolso!
“Me
lembro era sexta-feira, véspera de folga da lida, desconfiado e deprimido armei
o plano que não lhe daria saída. Deixei o paletó na cadeira, com celular,
chaves e carteira, e fui me deitar com um volume sob o pijama listrado. Ela
sorriu condescendente, prometendo o esperado. Aguardou como sempre, que eu
fosse vencido pelo sono do cansaço, e passou a remexer no meu terno sem se
importar com o amasso. Alucinado, com a mão crispada, enfiei dentro do pijama;
empunhei a minha peça e apertei com a mão tremendo. Saquei embaixo do cobertor,
olhando a penumbra suja da ladra do meu amor”.
Seguindo
a fila dos aprisionados pela lei dos homens, seu rosto era uma máscara que
sofria constantemente, atormentado pela lei divina. Em busca do alimento que
manteria seu corpo em pé, mas já sem cérebro, sem vontade própria, alijado do
mundo, hóspede de um lar infernal em que todos os habitantes têm algo a pagar,
a si mesmos, à sociedade e a Deus.
Cada um conta a própria história de
dor, de morte e incompreensão, uns tristes, outros com ódio, e outros sem
sentimento algum; mortos vivos caminhando na prancha do tempo, prontos para
morrer por seus erros irracionais, ou por seus acertos inaceitáveis.
“Acendi a luz de repente, ergui metade
do corpo, os olhos em brasa secando a safada, que se virou surpresa, sem
desculpa para nada. Em uma das mãos a carteira, apenas com os documentos; na
outra um monte de notas, que consistiam em meus vencimentos. A vadia tentou
sorrir, nem um pouco abalada, tentando arranjar desculpas e ter minha raiva
amainada. Alegou descaradamente, com um sorriso frio, maldoso, nojento,
vicioso: amor, vi você dormindo e resolvi pegar uns trocados para ir comprar o
pão; afastei o cobertor e deixei que ela visse que eu tinha a mão dentro do
pijama. Seu sorriso se alargou e veio em minha direção, achando ter me enganado
mais uma vez. Foi quando saquei a arma e apontei com carinho. Ela, de olhos
arregalados, estacou no meio do caminho. Abriu a boca em forma de zero, mas não
saiu nem um som. Eu, fora do meu estado normal, disparei até a munição acabar.
Pow!Pow!Pow!Pow! E vi meu dinheiro limpo sendo pintado de vermelho, e aquela
onça pintada ser detonada pelo coelho”.
O que se pode dizer das vilanias de
amor? Um culpado vai-se embora mas condena o inocente a virar culpado e viver o
terror no final da vida! O que fazer contra isso, como fazer justiça? O amor causa
enganos tolos, ou é o caráter que é suplantado pela falta dele?
As histórias inacabáveis dos
manipulados pela existência causam sentimentos diferentes aos que não
participam, apenas observam ou se informam a respeito de cada uma delas. São os
seres assombrados à luz do dia, os escolhidos para sofrer, que acabam por
acrescentar ao mundo, uma mostra pequena da crueldade sem fim.
Marcelo Gomes Melo
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