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Rabo de arraia



         Dei-lhe um rodo e atirei o branquelão nos ladrilhos, meu senhor, não teve perdão! O enxame se desconjuminou e abriu um clarão no meio da boate. Aquele aperto não era mais tão compacto assim. Balancei o corpo suado de tanta dança e pisquei os zoiões vermelhos da cor de mercúrio, tio! De um safanão tomei posse de uma garrafa de cerveja que quebrei no balcão às minhas costas, tomando tento de tudo o que tinha em minha volta em um semicírculo. O branco lá, estatelado com seu blazer bem cortado e cabeleira de xampu caro. O barato ficou louco, tiozão! Pensei na minha cabeça alucinada de mel de abelha com vodca: “tô aqui pra derrubar ou ser derrubado, cacique! Comigo ninguém tira onda!”.
          Não sabe brincar nem desce pro play, branco! Aqui “é nóis na jamburaia, pirão”, rebola pra levantar que é ruim de manter a cabeça colada no corpo, no embate com seu Zé aqui, zaroio. As mina gritando mais alto do que o som do DJ Calabresa e o caramba, fio. É agora que a porca torce o rabo. Pilantra não se cria na minha horda, crué. O escuro tava me dando nos nervo, brodinho, se a turba viesse pra dentro eu ia ter que dar um jeito de me pirulitar da boate dos boys.

          Se liga na iguana, patrão, minha voz de garantia sussurrou no meu ouvido e virei com o braço esticado na direção da pista, com o caco de garrafa pronto pra lacerar a garganta de qualquer marmota que tentasse ser herói. Era uma loira peteleco, vagabunda de jogador de futebol que vinha cheirada, sem saber pra onde correr. Quando me viu, gelou e saiu andando, doidona, nem sei como conseguia se equilibrar naquele salto. A piramboia tinha mais salto do que vestido, irmão em armas!



          Passei a manga da camisa pelo rosto para afastar o suor, sem tirar o olho das covardia presente; o branco continuava lá, estendido, uns trouxas riam abobalhados sem saber o que estava rolando, outros se juntavam pra partir pra dentro do tapado aqui. Comigo não, crente! Vamos pro embate que a vida é curta e o uísque tá sem gelo.

          Eu sou a febre do rato, madame, não pense que vai me aplicar. Pra cima desse caboclo só avião, terebintina! Passei um rabo de arraia na mina do branco que estava corajosa, a safada, lotada de pó e energético. A cachorra caiu por cima do chefe, com um grito estridente.
          Nessa hora o chá entornou, camarada. Os moleque do branco vieram lotados, querendo entrar na treta. Do outro lado, os seguranças apareceram, dispostos a arrancar pescoço de galinha no tapa e estripar vagabundo com os dedos!

          Fiquei esperto, a hora era aquela. Como eu disse respeitosamente, mano gruba, eu tô aqui pra derrubar ou ser derrubado. Não ser abatido pra lutar mais um dia! Firmei os pés e alarguei a base separando as pernas: ia tocar o terror na playboyzada, rapah. Sou louco e o cascalho, véi!
          O primeiro bombadinho tentou ser macho e veio pra cima. Sentei-lhe um bico nas partes pudendas e tirei o ar do enganado, que ficou em transe. O amigo que vinha no embalo, um baixinho que queria aparecer levou um cascudo pavoroso. Mandei com os nós dos dedos, cabrito. Saiu rodando que nem um peão. Esses malas não tem condições de me alcançar! Muita produção e nenhuma condição. Fiquei macho que nem uma arara e parti pra dentro, dando um rabo de arraia num negão que vinha armado com uma garrafa de uísque; enquanto ele caía soltei a sola do pisante na cara do descarado, desmanchando aquele penteado Black Power.



           Aê, malaco, não tem perdão. Agora que embaralharam as cartas eu vou cortar. Aquele era o meu cenário! Um tipo cortisona que nem eu sozinho na zona sul, criando guerra, levando a batalha pro terreno dos bombados. Só Marley salva!
          Os seguranças chegaram, armários bem constituídos e sem piedade de pobre. Tomei um pescoção e saí cambaleando que nem um boneco de pano, enquanto outro torceu meu braço e me fez largar a garrafa. Os mano e as mina que estavam aterrorizados já se acalmaram, doidos de alegria. Mas num tô aqui pra perder, gaúcho! Larguei o cotovelo no na nariga de um fortão burrão e o sangue jorrou como uma piscina de suco de morango.

          Relaxa, taturana, eu sou da paz, malandro! Os cara não queriam saber, mano véi, socaram minha cabeça com a mão fechada, me atirando contra o balcão. O branco e a mina dele já estavam de pé, junto com  o lóqui e o tamborete de forró. Equilibrei o corpo do jeito que dava, e abri os braços, em rendição, mas esperto pra defender a cara das porradas.
          Segurança de boate não dá boi, capiau. Se tu vacila entra na marreta. O nariga estava com a camisa branca e vermelho, nervoso, querendo vingança. Soltou um tapão na minha orelha que me jogou na direção da porta. Coisa boa! Com um par de chutes nas costelas me empurraram porta afora. Caí por cima das plantas de decoração e rolei para a rua, arranhado, mas inteiro. Levantei ameaçando falar alguma coisa, mas não disse nada. Fingi que iria voltar mas meus pés nem se moveram.

          “E não volte mais aqui, mamulengo!”, berrou um dos seguranças me apontando o dedo. Saí sem responder, de cabeça baixa, batendo a poeira das roupas, a orelha zumbindo. Escondi o rosto pra dar uma risada longa, sem som, enquanto dava sinal para um táxi. 




          Estava cada vez mais difícil sair sem pagar daquelas boates de gente rica, ultimamente. Ia ter que gastar na farmácia.


Marcelo Gomes Melo

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