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As noites de fita cassete



“Havia um tempo/Em que eu vivia/Um sentimento quase infantil/Havia o medo e a timidez...” Cantava o vocalista da banda brasileira RPM embalando uma juventude diferente, que não sofria as agruras da violência com a qual as gerações atuais têm que lidar. A tecnologia que domina a vida dos recém-nascidos nesse século não existia, e a grande novidade por aqui era o surgimento das rádios FM, segmentadas, trazendo as novidades europeias e americanas em termos de música com mais facilidade. Começava a se formar uma cultura musical diferente, assim como um comportamento que hoje pareceria pré-histórico e extremamente ingênuo.
          Não existiam CDs, muito menos pen drive ou qualquer dispositivo tecnológico de ponta. Nada de computadores pessoais ou música MP4. O que existia era o aparelho de som três em um, com tocador de vinil, rádio e tocador de cassete, primordial para a produção das fitas com 90 minutos de música sem interrupção para ouvir e dançar nos bailinhos de fim de semana, caseiros, que reunia a turma do bairro alternando os locais entre as casas de cada um.
          O funcionamento consistia em gravar as canções durante a semana, direto do rádio FM, torcendo para que a rádio não colocasse a vinheta no meio da música e estragasse tudo, ou que os pais invadissem a sala para oferecer lanche justo na hora da gravação, fazendo com que tudo fosse por água abaixo.
          A seleção romântica era a mais importante; havia programas noturnos no rádio para isso, com uma hora e meia de canções lentas para dançar e namorar, e isso era encarado com muita seriedade. Uma fita cassete com as melhores canções elevaria as chances de conseguir um par para o restante da noite. Táticas de sedução eram debatidas ao som de Marvin Gaye e até de Bem, do Michael Jackson, sem saber que a letra se referia a um rato. 



          A bebida era meia de seda, a festa começava com os “balanços” até que chegava a hora das “lentas” e de cada um procurar a garota que despertava os seus instintos românticos mais profundos para curtir durante a sequência de canções. A época era inocente comparada à atual; a garotada tinha uma história de vida e valores extremamente peculiares, viviam como adolescentes e não com adultos. Cresciam sem a maldade interior no DNA que hoje se verifica desde o berço. Como é que essa juventude se tornou adulta e se transformou em pais gerando filhos com valores tão diferentes?
          As noites de fitas cassete produziam felicidade e simplicidade, regadas a beijos e sussurros no ouvido, nada além disso. Nostalgia pura de quem está envelhecendo, e com isso comparando diferentes gerações com diferentes propósitos, o que não deixa de ser injusto.
          O mundo segue como um trem descarrilado, e os seres humanos são passageiros buscando sobreviver a seu modo, em tempos ruins. O que nos resta é acreditar na ciclotimia da vida, que volte a ser mais tolerante, feliz e rica como em outras épocas. O problema é se, para que isso aconteça seja necessário zerar tudo e recomeçar a semear após terra arrasada.



Marcelo Gomes Melo

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