Diretor do Departamento de Proteção às saias
Eu
segurei na barra da saia dela, na ponta do vestido, quero dizer. Ela me olhou
como se eu fosse de outro mundo, saquei com o canto dos olhos, confiando na
visão periférica, já que me mantive focado no horizonte através da janela.
Possivelmente encarou a minha atitude
como a mais ousada do mundo em tempos de processos judiciais por assédio
sexual, ofensas machistas desrespeitosas e mais hipocrisia que servem mais como
epítetos do que palavras de ordem. Tempos ruins, de inimigos cordiais em vez de
homens e mulheres dividindo o mesmo espaço na natureza.
Aquele olhar surpreso era límpido, e
poderia se transformar em ameaçador, era só questão de tempo. Mas não larguei a
saia dela. Em vez disso fiquei imaginando o que se passava pela cabeça dela
naquele momento.
Certa irritação, pensando que eu era
arrogante o suficiente para me declarar dono dela. Certo medo por imaginar a
probabilidade de lidar com um maluco perigoso. Um determinado alívio por
acreditar se tratar apenas de um lunático idiota inofensivo.
Eu juro que gostei do controle
emocional dela, instantâneo; sem gritos, sem agressões, sem escândalos. Manteve
os olhos em mim, e depois para o local em que eu olhava, através da janela
enorme, por onde entrava um ar quente que refletia o calor terrível lá fora.
Olhou
de mim para a minha mão na barra de sua saia, e depois fez o caminho de volta.
Deixou claro, através da postura corporal, que esperava uma explicação assim
que eu olhasse na direção dela. Mas eu não olhava, apenas a observava
discretamente.
- Com licença, senhor... – a voz era
linda e cálida, contendo um fiapo de indignação. Agora eu teria que olhar para
ela, não era possível ignorá-la com a mão na barra da saia dela.
A moça não fizera nenhum movimento
para afastar a minha mão a milímetros de sua coxa, acho que estava curiosa por
respostas. O que faria um cara como eu segurar a saia de uma mulher como ela
daquele jeito, em público, sem razão aparente, completos estranhos.
Virei o rosto o mais lentamente que
pude, até mergulhar o castanho dos meus olhos profundamente no verde dos olhos
dela. A minha voz teria que ser ouvida, e a explicação teria que vir através
dela, imediatamente.
Foi exatamente quando aconteceu. O
avião taxiando na pista passou à distância suficiente da janela para provocar
uma enorme ventania. Papéis voaram, canetas caíram, cabelos se espalharam,
pessoas sorriram e gritaram, tentando recolher tudo o que caía. Apenas uma
coisa não se moveu. A saia dela.
Uma sombra de sorriso deixou claro de
que agora ela entendia o motivo. Parecia agradecida. Soltei-lhe a saia. A
mantive presa em meus olhos.
- Nos conhecemos...? – ela insistiu,
com o mesmo tom de curiosidade misturada com simpatia, no momento.
-
Agora sim. – respondi, olhando a parte descoberta abaixo da saia. Vestido. Acho
que era vestido. Vi joelhos. Panturrilhas. Movi a cabeça de um lado para outro
vigorosamente para retomar o foco.
- E você, quem é? – mais sorrisos,
mais brilhos nos olhos e mais curiosidade. Mulheres...
- Eu sou o diretor do departamento de
proteção à saias. – saboreei a expressão que ela deixou escapar – Fui designado
para você.
Pronto, estava explicado. Acho que
pisquei como um canalha estúpido e me afastei, entrando em meu pequeno
escritório.
Uma hora ou outra ela viria até mim. E
a minha função mudaria. Passaria a desproteger saias.
Marcelo Gomes Melo
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