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Deixando-se levar pela ambição. Cuidado com o que deseja.



          O delegado estava sob grande pressão, precisando demonstrar resultados para aspirar a um cargo maior; talvez até uma candidatura a vereador, deputado... Subprefeito já servia. Síndico do prédio dos milionários já aceitaria de bom grado, mas não havia nada que lhe indicasse uma chance dessas imediatamente.
          Estava pensativo no balcão do bar, sentado num daqueles bancos altos, o copo de uísque e outro de cerveja ao lado, pensativo, observando os demais frequentadores, a maioria conhecidos da cidade. Que razões teriam para votar nele, aqueles que estavam jogando bilhar, os que degustavam salgadinhos e bebiam seus drinques debatendo assuntos gerais, uns com fervor, outros mansamente?
          Seria preciso acontecer uma hecatombe política em forma de onda para que ele surfasse no topo e virasse o assunto principal, capaz de ser erguido ao status de imprescindível para uma carreira longa e lucrativa. Só que naquela cidade ninguém morria! Nem de atropelamento, muito menos de causas naturais. Então não havia como se destacar se não tivesse nada para investigar, coisa alguma para exigir a sua liderança ou seu lado filosófico de conselheiro.
          Ele esvaziou o copo de uísque e pediu outro com um gesto ao garçom, passando a se ocupar da cerveja na tulipa. Foi quando entrou uma loira exuberante no salão. Todos os olhos se desviaram para ela de imediato, principalmente os masculinos, hipnotizados com a visão. Alta, vestido colado ao corpo, em listras horizontais vermelho e branco, Acabava logo no início das coxas firmes.



            As mulheres pensaram em como ela iria fazer para sentar em um banco daqueles sem deixar nada à mostra, enquanto ela se dirigia sensualmente ao balcão, segurando uma bolsinha pequena. Os homens não pensavam, torciam para que ela sentasse em um daqueles bancos altos, e se arrumaram instintivamente, voltando o olhar para o caminhar da loira.
          O delegado suspirou, apertando os olhos e acendendo um cigarro. Era deslumbrante, a mulher, realmente. Mas em nada poderia ajudá-lo a obter status a ponto de conseguir virar um astro com potencial político. Além do mais, as chances que tinha com uma mulher daquelas era igual a de ser eleito presidente da República naquele momento.
          Quanto mais ela se aproximava, mais podia-se enxergar o contorno do corpo dela. Era como se não vestisse nada por baixo! Ou os camaradas tinham sido abençoados com visão de raios-X de uma hora para outra! Estavam tão concentrados nos vales e montanhas da loira que sequer perceberam sua cara aterrorizada, a maquiagem borrada pelas lágrimas... As mulheres deduzindo que pelo menos era feia de rosto, a vagabunda, e os caras pensando que no escuro todos os gatos são pardos.
          Ela parou bem na frente do delegado, que custou a acreditar que era com ele que a moça falava, em um tom choroso e nervoso. Minuciosamente percorreu a interlocutora, dos cabelos aos dedos dos pés, lenta e incisivamente. Só não pediu que ela virasse porque seria inescrupuloso demais naquele recinto. Ainda não entendera uma palavra do que ela dissera; toda a atenção estava voltada para a observação empírica do objeto.



          Finalmente ela alteou a voz e ele entendeu que a pergunta era se estava falando com o delegado. Engolindo em seco, concordou com a cabeça, já imaginando se tirara a sorte grande e sairia dali com aquele monumento. Isso lhe daria status suficiente para fumar um charuto no dia seguinte lá no clube e insinuar as peripécias da noite anterior, como um cavalheiro o faria. Contando o milagre sem mencionar o santo.
          A loira estava explicando uma coisa que parecia terrível, e se referia ao vestido que usava, pois percorria o corpo todo com as mãos finas enquanto falava, parecendo uma dançarina de strip tease sem muita experiência. Todos os clientes a rodearam para ouvir a história. Os que estava acompanhados fortemente agarrados por suas mulheres, que os observavam com cara de “depois te pego”. Só então o delegado conseguiu manter o foco e prestar atenção ao que ela dizia.
          O fato era sensacional, ele pensou, aprumando-se profissionalmente no banco e afastando o copo de uísque. Aquilo lhe daria exposição suficiente para ser candidato a promotor ou até mais! O vestido que ela usava... Que vestido? A mente dele insistia em refutar. Ali nem tinha vestido algum, dava pra ver até a alma! Aquilo era um novo tipo de tecido em relevo, só podia ser!
          As mulheres reclamaram e demonstraram alguma piedade e horror com o caso contado por ela. Preciso me concentrar de uma vez! Isso pode decolar a minha carreira, essa loira é o trampolim para o meu futuro! Gentilmente pediu silêncio às mulheres e pediu que ela contasse outra vez o que acontecera.
          Ela era casada. Bem casada, ressaltara. O marido era político famoso e supostamente chefe da máfia naquela cidade. Ele estivera viajando e retornara antes do previsto, pegando-a na companhia inocente de seu ajudante pessoal, um rapaz que era encarregado de pintar-lhe as unhas, fazer-lhe massagem e levar suas camisolas e lingeries para o cesto de roupa suja. Além de tudo, o menino nem era chegado no modelo tradicional de amor; estava juntando dinheiro para trocar de sexo! Mas o marido mafioso não pensou assim quando o pegou com ela dentro da banheira. Segundo a explicação dela, o moço estava apenas fazendo borbulhas dentro da banheira para alegra-la pela falta que sentia do marido.



          Alucinado o mafioso sentou em uma cadeira e mandou que seus capangas pregassem o ajudante dela na banheira, para que ele tomasse um banho permanente e fizesse borbulhas com o próprio sangue. Ela presenciara ao ato ali, em pé, nua e molhada, se encolhendo e cobrindo como podia. O marido se irritara com aquilo, perguntando porque ela estava se cobrindo se usava roupas tão curtas que mostrava até a fiação elétrica! Então ordenara que dois capangas a secassem vigorosamente com toalhas ásperas, e quando ela ficou sequinha, cobriram seu corpo com super cola e enfiaram aquele vestido, para que ficasse vestida para sempre.
          Os homens, gelados, voltaram aos seus lugares pedindo mais uma dose da bebida mais forte, enquanto as mulheres demonstraram uma alegria perversa e sorriram disfarçadamente; algumas hipotecaram solidariedade e olharam para o delegado significativamente, querendo uma solução para o caso.
          Pálido, ele esvaziou o copo de uísque de uma vez e em seguida o de cerveja. Tossiu um pouco e um filme passou por sua cabeça naqueles segundos. Talvez status demais não fosse tão bom assim... Talvez um cargo proeminente exigisse coisas que deixariam pessoas mais poderosas irritadas com ele, e a vida era tão frágil!



          Apagou o cigarro e pagou a conta enquanto instruía a loira sobre o que fazer. A senhora vá até um hospital agora e depois volte pra casa, seu marido deve estar mais calmo e poderão conversar melhor. Amanhã a senhora procura a delegacia e conversa com o delegado de plantão, caso ainda queira registrar alguma queixa. Mas brigas entre casais são assim mesmo, deveria relevar... Levantou-se e se despediu, pedindo licença e saindo o mais depressa que podia em direção à sua casa. Do lado de fora ligou o carro com as mãos tremendo e suspirou de alívio, secando o suor da testa com a manga do paletó: ainda bem que estaria de folga no dia seguinte!



Marcelo Gomes Melo

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