Tensão ao amanhecer
De
olhos grudados nas chamas de uma fogueira improvisada, o homem espalha o seu
silêncio pesado como o mau agouro, esfregando as mãos esquálidas de vez em
quando, causando arrepios involuntários aos que o ladeavam na tarefa inglória
de manterem-se aquecidos.
Quando passou a bandeja de pratos de
sopa aceitou o seu resignadamente e repetiu o gesto para pegar o naco de pão e
o copo fumegante de café. Ninguém falava, apenas repartiam o infortúnio como
companheiros de uma empreitada épica, digna de honoráveis chefes de família
através dos tempos, brigando para realizar o sonho de suas vidas tristes.
Os cartazes aos seus pés jaziam
comportados, esperando a hora de serem erguidos para expressar tudo o que a
massa gostaria de dizer, embora lhes faltem vocabulário para isso. Tirar aquele
nó da garganta era a única forma de colocar para fora o desgosto de ser
marginalizado por séculos, e agora adentrar no círculo dos privilegiados,
finalmente!
A angústia da espera é cruel com
aquelas pessoas, mas não as abate ao ponto de desistir dos sonhos. A essa
altura o medo de perder não tira a vontade de ganhar, porque poucos minutos os
separam da glória, a voz se erguerá e um espaço será conquistado por aquelas
pessoas em volta da fogueira, tensos ao amanhecer, imaginando como será a
grande chance de suas vidas.
O amanhecer traz alguns gritos de êxtase,
que saem meio tímidos, como grunhidos de exilados, desacostumados a participar
da efervescência social.
Uma
pessoa aparece informando que os portões serão abertos, e todos se erguem, recolhendo
os cartazes e se organizando em fila indiana para o grande momento de sua
história. Logo os murmúrios se transformam em gritos; os gritos em urros e os
urros em berros amalucados.
Eram os primeiros na fila para comprar
ingressos para o show do Justin Bieber.
Marcelo Gomes Melo
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Seu feedback é uma honra!