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Eu não fiz churrasco da minha mulher!



            Ela parecia ser tão legal que eu esqueci dos meus compromissos quando o seu sorriso me atingiu em cheio. Com um jeito simples de ser, ela cheirava como uma rosa e aparentava ser uma margarida. Ao lado dela eu me sentia em uma eterna primavera no parque, com sorvete e promessas sussurradas ao luar, que se concretizariam na madrugada entre os lençóis da cama confortável do quarto do apartamento dela.
          A cada dia eu vivia mais feliz. Dormia menos, me alimentava de amor e trabalhava a mesma quantidade de sempre. Não reagia às pressões diárias, parecia um adolescente em um natal constante, com presentes, comida farta e brincadeiras eternas.
          Ela sabia conquistar e reconquistar, com aquela voz suave e firme, como uma enfermeira a lidar com um paciente; esse era eu, envolvido, dominado e feliz. Um porco em processo de engorda para o abate de ano novo.
          As minhas olheiras aumentavam e o meu sorriso vazio também. Caso desrespeitasse qualquer desejo dela, recebia de volta um muxoxo sedutor seguido de uma frieza estudada que me deixava corroído por dentro, arrependido e sofrendo durante todo o dia, no trabalho, distraído e sem fome. Até que ligava mil vezes no celular esperando que ela resolvesse atender para implorar o seu perdão, quase choroso na empreitada.
          Assim que ela sorria e aceitava as desculpas eu sorria como um cãozinho de estimação e não via a hora de chegar na casa dela com uma boa garrafa de vinho e um belo buquê de flores. Era a redenção!



           A bela mulher sutilmente me induziu a pedi-la em casamento e a fazer um seguro de vida em seu nome, para um caso extremo que, de acordo com a mesma, jamais aconteceria.
          Casamos! Quase enlouqueci de felicidade! Eu era um homem completo e sortudo, cuja mulher perfeita vivia em função de minha existência. Loteria faturada, na certa, e eu fazia questão de proclamar aos quatro ventos a sua perfeição em pessoa.
          O tempo passou rápido, e com ele a repressão em conta-gotas, sinto dizer. Nada de reunião com os amigos, nada de futebol na tevê, nada de cervejinha aos domingos, nada de espaço pessoal a não ser cortar a grama, lavar a garagem, molhar as plantas e ver novela como obrigação.
          O terror se instalou em meu mundo. Era um prisioneiro humilhado que não podia contar com ninguém. Estava secando como um jacaré ao sol, os olhos afundaram e perderam o brilho, o álcool veio a ajudar contra o tremor das mãos. A tristeza tomou conta de mim devastadoramente. De um  minuto para outro passei de exemplo de homem de família a um cidadão desgraçado comum, sem destaque na multidão.
          O interessante é que ela não mudou. Apenas aumentou as doses que usava em mim suavemente e o chicote estalou mais forte, atingindo mais fundo. Logo passamos a nos diferenciar juntos: ela cada vez mais linda e deslumbrante, e eu cada vez mais feio e envelhecido, sem piadas que fizessem o povo sorrir, a não ser da minha própria carcaça.
          Chegamos a esse ponto quando ela, casualmente, como todas as suas atitudes, tocou no assunto do seguro de vida e dos valores gordos que atingira. Foi uma luz em minha vida! Percebi a jogada da fera fêmea e me antecipei.



          É por isso que conversamos para o seu jornal aqui, nessa entrevista exclusiva em frente ao belo apartamento, antigo ninho de amor em chamas. Confesso estar desconfortável, assim algemado, mas alego veementemente inocência. Eu não fiz churrasco da minha mulher!



Marcelo Gomes Melo

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