Da necessidade de arriscar para descobrir
-
Vou passar mostarda. Não sei por que ri, é verdade! Eu prometo. Feche os olhos
e inspire profundamente; reconheça os perfumes enroscados desse momento
íntimo... A mostarda. Sim, eu vou passar mostarda antes de lamber os dedos e
experimentar o sabor utilizando o meu pensamento prático. Misturado ao meu
sentimento simbólico.
- Você parece ser expert nesse tipo de
coisa.
- É algo que passa de pai para filho
instintivamente. Uma herança. Não sei por que ri, é verdade! Está curiosa?
- Um pouco. Muito! O sorriso é de
expectativa e nervosismo... Jamais pensei em mostarda.
- Pensou na navalha? Já falamos nisso
antes. E o seu olhar a percorreu com suavidade; mantendo distância, mas sem
surpresa.
- É preciso confiança demais, não
concorda? A navalha...
- Confiança mútua e habilidade, sim.
- Sou iniciante. Pretensa iniciante.
Possível iniciante.
- E o que a faz pensar que eu não o
seja?
- A luz no fundo dos seus olhos.
Alguma coisa no tom carinhoso e cuidadoso em sua voz.
- Mas mostarda lhe faz sorrir!
- Sim!
-
Um sorriso deslumbrante, quase juvenil, de quem questiona as próprias ambições.
- Pode ser. É o preço a ser pago pelas
novas diretrizes sociais de um século marcado por promover a exposição pessoal
a qualquer custo, em troca de experiências não lineares, mas que levem à fama.
- Ah, o amor científico.
- Agora o sorriso foi seu! E parece
descrente.
- Não de você, doutora. Da ironia das
coisas. O que aprender pode lhe tirar o prazer do que é simples, para sempre. E
vagar sem opções para saciar os desejos pode ser bastante...
-... Desconfortável.
- Sim. Tudo pela ciência?
- Ou egoísmo.
- Mostarda, então.
O
sorriso de cumplicidade aguça os sentidos, e a ciência é uma prostituta cínica
disposta a qualquer ato em troca de um bom retorno. As crenças e lendas são a
outra parte.
Enquanto houver julgadores está
garantido o medo, o pecado e a necessidade de arriscar para saber.
Marcelo Gomes Melo
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