Cantos de morrer e de matar
(Presunção vivente)
A
morte mata. Mata uma morte morrida ou mata uma morte matada, à escolha do
cliente. Mata devagar, de forma torturante ou mata repentinamente, subitamente;
transforma o morto em baunilha, sem uma gota de sangue, ou em cinzas,
espalhando-o distante, soprado pelo vento para os quatro cantos do inferno.
A morte elimina a vida silenciosamente
ou de maneira barulhenta, enviando o agraciado como um porco ao matadouro. E só
quem morre morrido, ou quem capitula matado é capaz de dizer do susto, capaz de
falar do selo de passagem final para a terra dos pés juntos, trajando paletó de
madeira, nos verdes campos de caça (provavelmente para ser a caça).
Ninguém, nem o encarregado de
despachar a alma dessa para melhor, muito menos quem carrega o peso inútil do
corpo rumo à putrefação, saberá da felicidade ou do término da ansiedade, das
dores a conta-gotas cessadas em troca de um vazio enorme e eterno, a brecha da
via láctea, do desconhecido irremediável, a luz engolida pelo vácuo, a
escuridão fria e feroz no âmago de sua mudez.
E
para que os viventes, atormentados por cores, ideias, vida, flores, futilidades
e hipocrisia do dia-a-dia viessem em algum momento a saber, precisariam de
coragem para reabrir o caixote contendo a carne morta e pútrida para
reconectar-se com o momento exato da passagem do problema permanente para a
indiferença impressionante, estado que nunca acaba, solução em si mesma.
Filosoficamente criaria novos focos de
pura imaginação; nem empirismo nem objetividade científica: que ser vivente
corajoso continuaria intacto após contato imediato com o domínio dos mortos?
É paz, é horror eterno, é resolução
para o sofrer contínuo, covardia perene, cotidiana? Heresia consciente, falta
do que fazer...
Seria valorizar a vida pensar em como
é morrer?
Marcelo Gomes Melo
Eu morro de medo de morrer e vivo cada dia como único e ultimo.
ResponderExcluirMas exitem mortes e mortes, e as mortes em que permanece vivo ali o morto, é a pior morte. Carregar no corpo uma existência já falecida é pesado por demais.
Mas quem é vivo sempre aparece e cá estou. \o/