Nos bares da vida: salada, amor e rotina
Hoje
eu estou aqui para deslindar aquela figura opaca que almoça aquela gororoba sem
gosto todos os dias nesse bar escuro, sombrio, lotado de povo, amantes de ovo
frito e cachaça, distraídos pela televisão grudada à parede, fingindo prestar
atenção enquanto estão presos às próprias realidades pífias.
Não enganam a ninguém, muito menos a
mim, os que gritam estridentes, querendo abafar os sussurros dos fantasmas
interiores. Nem as que mastigam salgados misturados a batom vermelho e se
queixam do mundo, da vida, de tudo, e ainda sorriem a título de assinatura, uma
bela antítese das dores.
Não me enganam. Sou detetive
particular a mais tempo do que me entendo por gente. Percebo todas as
particularidades dos seres. Como excelente observador desvendo em dois tempos o
mal que corrói os corações, a felicidade misturada à angústia do prazer
escondido que me cabe escancarar, em troca do meu salário.
É assim que sobrevivo, à custa do que
ocultam, da quebra da esperança de trios cujas vidas jamais serão as mesmas.
Hoje, no entanto, não. Peço o almoço,
abro a cerveja disposto a descobrir o motivo de aquela alma encurvada, com
linhas profundas na testa e um olhar sem brilho, marcas dos que não têm futuro
e vivem uma vida presente, apenas; cinzenta, sem compromisso, sem satisfação a
dar ou pedir a quem quer que seja. Esse tipo de liberdade de porão, acorrentada
ao relento, sufocando de tanto espaço vazio. Todo mundo quer uma bela rotina
com amor e salada, de uma forma ou de outra. Apenas não o sabem.
Aquela figura patética a quem vejo
todos os dias à hora do almoço, sempre sentado sozinho no mesmo lugar, comendo
a mesma comida, completamente alheio aos demais comensais falsamente contentes,
vem me chamando atenção há um bom tempo. Agora admito utilizar todos os meus
dons como detetive conhecedor do âmago do cidadão mediano para saber o que
aflige aquele ser apagado, de sentidos amortecidos e nenhuma vaga noção de um
lugar no universo de Nosso Senhor. Pálido, observo. Jururu, mastigando sem
saborear, mal vislumbrando as cores à sua volta.
O seu prato é incolor! Miserável quem
não saboreia e nem sente dores; que motivação justificaria aquela vida sem sal?
Incomodado, sinto uma leve conexão com o indivíduo. Isso me gela o sangue.
Tento afastar o mais breve pensamento de algo em comum com aquele poste a quem
ninguém presta atenção. Não merece um olhar sequer de uma mulher, nem da
garçonete que o serve como se fosse invisível.
Realmente
preciso desvendar aquela alma que claramente precisa de paz. Estava tão absorto
em minha observação que esbarrei na garrafa de cerveja à minha frente na mesa.
Despertei assustado como barulho de vidro quebrado, enquanto a garçonete de
pronto me tranquilizava, tentando recolher os cacos.
O que me deixara completamente
estupefato fora o espelho para o qual eu olhava o tempo todo, ali estilhaçado
pela garrafa de cerveja, espatifando a minha vida enquanto eu fitava, boquiaberto,
pedaços daquele molóide cujos segredos tencionava tolamente descobrir.
Marcelo Gomes Melo
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