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O zuretão que queria matar o governador




Zuretão com revólver na mão, desceu do metrô e cruzou a Praça da Sé sem olhar para os lados, mendigos estrangeiros abandonados tomando banho no lago, pastores enfurecidos massacrando a Bíblia, chutando, mordendo, cuspindo, urrando pragas em tom assustador. Sentados no chão, de frente para a Catedral, vendedores espalham diversos tipos de ervas naturais para a cura garantida dos males urbanos a preço acessível.
Um barbudo liga o microfone a uma caixa de som, empunha o violão e providencia um chapéu no chão próximo a ele, na esperança de amealhar moedas que garantam o almoço e o jantar. Em passo constante, rápido, passadas largas, a arma apontada para o chão, o rosto tenso, sobrancelhas coladas, olhando para a frente fixamente, passa ao lado do posto policial que nem o percebe. Estavam comendo coxinhas e conversavam com alguns turistas que solicitavam informações.
Seguindo pela rua Direita o Zureta dribla as pessoas de máscara que encontra; algumas o reprovam com o olhar por não usar a proteção obrigatória. Quando percebem a ferramenta em sua mão direita se afastam assustados.
Logo estará na frente do Teatro Municipal, cruzando o Viaduto do Chá, respirando fortemente, o ódio escapando pelos poros com o suor. Praça da República. Artistas tentando vender quadros, pulseiras feitas à mão, máquinas para cortar cabelo... Parou por um momento, coçando a cabeça com o revólver. Todos à volta se espalharem, mulheres guinchando como sirenes de ambulância.


O Zuretão estava confuso a respeito do que queria fazer, tentava se lembrar do plano. Deixara a sua casa de um quarto em um cortiço na periferia disposto a cobrar por todos os males infringidos a ele durante a vida. Fora parar ali com um fogão, uma cama de solteiro e uma TV antiga e pequena depois que a esposa o abandonara levando os filhos de volta para o nordeste, porque ele não podia mais trabalhar como servente de pedreiro por conta da pandemia. Já fazia três meses e ainda não conseguira receber a ajuda emergencial, então estava vivendo com miojo Lámen todos os dias. O desespero só aumentava ao ligar a televisão no único canal que funcionava e só falava de mortes o dia todo, mostrando caixões, enterros, idosos em hospitais, famílias chorando... A ordem era “fique em casa”, e ele tentara obedecer. Agora estava ali, parado na Praça da República tentando organizar os pensamentos para realizar a sua última missão: assassinar o governador.
Quando ergue o olhar, voltando a si, estava cercado por policiais bem armados apontando-lhes diversos tipos de armas; uns tentando acalmá-lo e fazê-lo largar o revólver.
Confuso, enlouquecido, olhou as pessoas à sua volta. Será que não entendiam? Girou a mão armada para apontar alguma coisa, e essa foi a deixa para que os policiais disparassem, transformando-o em um queijo suíço. A ameaça estava neutralizada, informou um deles pelo rádio.
Aproximaram-se do Zuretão ensanguentado e lhe tiram a arma. Era de plástico. Um brinquedo que um dos filhos deixara. A ordem veio de cima, enterrem logo, como indigente. O motivo da morte: COVID-19. Mais um para engrossar as estatísticas no jornal nacional.


Marcelo Gomes Melo



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