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Considerando posições políticas diferentes




            - Querida Maria Orlandina, bela companheira, precisamos entrar em um acordo favorável para você e para mim. Esse acordo exige de vossa pessoa uma resposta definitiva e corajosa: aceita sair comigo?
          - Chico petralha, você bem sabe que nós somos de afiliações partidárias diferentes, e visão política completamente oposta. Essa pergunta jamais deveria ter sido cogitada, muito menos feita!
          - Por que não, Maria Orlandina, minha santa, cara companheira de luta contra a opressão? Você trabalha doze horas por dique transa lixando canos, serviço desgraçado que transforma suas belas mãos em plataforma de calos! Como podemos ter visões diferentes? Permita-me lembrar-lhe de que ficar lixando esses canos de 40 centímetros dia após dia não é exatamente uma atividade prazerosa. Posso afirmar que você faz parte dos oprimidos pelos patrões que exigem muito e pagam pouco!
          - Chico petralha, para a sua informação eu não sou funcionária, sou empresária. Patroa, dono do meu próprio negócio. Tecnicamente sou opressora e não oprimida.
          - Mas que empresária, Maria Orlandina! Você tem um puxadinho na frente de sua residência, e que eu saiba não tem nenhum funcionário. Trabalha sozinha, como pode ser opressora?
          - Não sou opressora? Claro que sou, oprimo a mim mesma! E não trabalho lixando canos, mas sim lustrando canos. A minha atividade é estética, Chico petralha, faço os clientes orgulhosos porque do seu cano lustroso jorrará água potável.






          - Mas Maria Orlandina, a conversa está desvirtuada, boa companheira! Eu só estou lhe convidando para uma janta e não para um congresso político.
          - Mas a janta é o primeiro passo da cartilha para levar a reuniões de agenda esquerdista. Logo em seguida vem a filiação, aprender a fazer bombas, roubar Bancos, sequestrar, assassinar...
          - Minha nossa, companheira! Só quero desfrutar de sua companhia; assassinar só se for um boi para degustar um bom bife, amassar as uvas para beber um bom vinho... O convite será para um motel, não para reunião alguma do partido.
          - Tem certeza, Chico petralha? Vai querer fazer piquete na frente do motel para baixar os preços, ameaçar o garçom para conseguir desconto...
          - Maria Orlandina, o motel é um mero opressor de dominação do povo! Se continuassem usando o mato para resolver seus assuntos amorosos não seríamos roubados pelos patrões! Você precisa dar uma pausa no trabalho duro de lustrar canos, essa é uma enorme concessão que faço ao sistema capitalista.
          - Concessão, Chico petralha! Sua maior concessão vai ser dividir a conta do jantar e pagar a sua parte com tíquete refeição.
          - Se os patrões oferecessem uma remuneração justa, eu pagaria a conta toda com um tíquete; mas o valor só compra uma mera coxinha, o que posso fazer?
          - Deixar de ser unha de fome e trabalhar mais para conquistar uma mulher, Chico petralha. A minha resposta continua sendo não!
          - Eu também não queria! Continue lustrando os canos, representante do poder patronal! Um operário de bem não pode ser subjugado por sua sanha de fortuna a qualquer custo, Maria Orlandina!



          - Olha só quem fala, um sindicalista pelego que quer dividir a conta, o motel e a sobremesa em nome do socialismo! Tome tento e deite o cabelo, Chico petralha!
        E foi assim que um simples início de relacionamento virou um desentendimento sem fim. A posição política atravancou as posições sexuais, e Chico petralha e Maria Orlandina se tornaram adversários em vez de apaixonados.



Marcelo Gomes Melo

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