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       Cabra na chuva



            - Está lá, está lá!
          - Vixe! Filho de Maria mais eu! O que é aquilo reluzente sob a chuva, é um facão?
          - Ihh, é um facão, sim, e dos nobres. Facão japonês vendido na TV.
          - Embaixo dessa chuva toda? Pode atrair um raio e torrar o bicho inteiro de uma vez.
          - Por que será que não entra logo? Parece um personagem de Akira Kurosawa! Vai queimar o couro velho rachado, se levar uma descarga elétrica.
          - Aquele chapéu de lampião molhado é o maior barato! Calça de montar em touro, alpercata para pés chatos...é a moda do sertão in loco.
          - Cala essa boca que você já ofendeu antes, é por isso que estamos prestes a ver o sangue jorrar sem perdão. Não se pode humilhar um retirante e consegue ficar impune.
          - Eu não humilhei, foi só uma piada! Deixa quieto que eu resolvo. Só não vou sair nessa chuva.
          - Está lá, com lama até os tornozelos, dentões trincados, cara de quem cheirou gasolina...
          - A faca é gigantesca! Daquelas de esfolar elefante.
          - É proibido esfolar elefante! É para esfolar gente mesmo.
          - Isso também não é proibido?



          - Minha nossa, valha-me Deus! Lá vem ele! Vai entrar aqui todo molhado!
          - Calma, calma, escorregou na lama...caiu! Está coberto de lama podre!
          - Parece um guerrilheiro. E esses camaradas são impiedosos. Vai ter morte hoje, nesse bar!
          - Já disse que vou me desculpar e acabar com o mal-entendido geográfico, deixe de ser covarde.
          - Covarde, não! Sou jovem demais para morrer!
          - Lá vem, lá vem! Não soltou a faca em momento nenhum, nem quando se estrumbicou na lama.
          A porta, chutada com violência, escancarou-se abruptamente deixando entrar chuva e ventania. Na sequência, empunhando uma faca afiada sedenta de sangue, o homem de aspecto furioso.
          Ante o silêncio completo dos presentes, olhando à sua volta, ele pronuncia-se:
          - Quem foi o macho velho xexelento que ofendeu o sertão dizendo que *cabra do Norte não presta? Fale agora ou matarei a todos estrebuchados pelo facão de destrinchar peixe!
          - Fui eu! – A resposta veio acompanhada de um sorriso amarelo. A ponta da arma branca virou-se automaticamente na direção da voz, como se fosse uma bússola.
          - Foi tu, macho safado? E por que cabra do Norte não presta, filho de uma égua?
          - Nada pessoal, nada pessoal...dizem que não dá leite!



*deveria ter dito “cabra do Nordeste” não presta, enfim...



Marcelo Gomes Melo

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