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A Lóra



           O restaurante àquela hora estava vazio, e Francildo entrou com o capanga Pandolfo escoltando o temperamental chefe recém-saído da detenção.
          Francildo assumira a família enquanto ele estivera internado e agora estava colocando-o a par de tudo o que estava rolando. Era uma preocupação lidar com um homem cruel e violento como o patrão; precisava pisar em ovos, pensar bem no que dizia e em como o dizia para não sofrer as consequências. As mortes no currículo do homem não eram brincadeira. Tudo o motivava a tirar vidas. Matava enquanto palitava os dentes.
          Francildo esperou o mal-encarado sentar e em seguida o acompanhou. Pandolfo ficou em pé a um canto, com a mão dentro do paletó e os olhos atentos à entrada.
          - Pronto, chefe, quer comer o quê?
          - Boa pergunta, Francildo “seu menino”... Quero é saber daquela lóra. Isso mesmo, Francildo. A lóra é interessante para mim. Pode realizar esse meu desejo, você que é o segundo em comando?
          - Segundo, chefe? Eu sou o primeiro depois do senhor.
          - Não, Francildo, primeiro é xixi; você é o número dois! Pode realizar o meu desejo ou não?
          Francildo ficou pálido. O que diabos queria dizer lóra? O que o chefe queria dizer com aquilo? Seria a nova senha de comando? Não podia cometer nenhuma gafe ou seria eliminado imediatamente pelo psicopata que comandava o crime.



          Tentou esconder o desespero e pensar em algo antes que o patrão se irritasse e mandasse acabar com ele. Ia abrindo a boca quando a atenção do comandante se desviou para um homem parado ali perto, metros de distância, sorrindo e olhando para eles.
          - Ei! Quem é esse idiota? Por que está olhando para mim? Pandolfo, vamos eliminar essa alma do mundo. Mate o cara!
          - Não, chefe, não! Por favor, é só o garçom esperando o pedido! – Francildo tentava manter a voz o mais suave possível, embora alarmado – Se o matar agora não terá quem sirva o almoço.
          - Ah, é o garçom? – Segundos viraram horas até que o chefe sorriu – Então tudo bem, tudo bem. Francildo, mande o homem se aproximar que estou faminto!
          Feito o pedido, o patrão aproximou-se e falou com Francildo quase em segredo:
          - A lóra, Francildo, a lóra! Como faço para abater a lóra?
          - Como chefe? – a voz trêmula mal escondia o medo, mas o patrão não percebeu. Francildo não tinha ideia do que ele estava falando.
          - Francildo, serei sincero com você. Matei dezoito safados naquele inferno. Fiquei sem o traquejo para argumentar com as pessoas de fora. Preciso me reintegrar à sociedade com a sua ajuda. Admito que estou um pouco bravo. Sei que você se sai bem na sacanation...
          Francildo riu com ele, ainda mais assustado. O que deveria falar que não o ofendesse a ponto de mata-lo?
          Engoliu em seco quando o chefe voltou a atenção para um homem com uma bengala que se dirigia para a porta a trancos e barrancos.



          - Ei! O que está acontecendo aqui? Aquele homem, por que passou sem olhar para mim? Pandolfo, vá até lá e descarregue a arma naquele vagabundo desrespeitoso!
          - Chefe, ele é cego! – Argumentou Francildo de olhos esbugalhados – Ele não quis desrespeitar, só não nos enxergou aqui.
          - Pandolfo... Vá lá fora e descarregue duas armas no safado. Não lhe dei permissão para ser cego. Deixe-o estendido no estacionamento, ensanguentado. Servirá como recado aos cegos para que me enxerguem, se quiserem viver.
          Pandolfo sai atrás do deficiente visual para cumprir a ordem, enquanto Francildo tremia como vara verde. O homem era um completo celerado, um verdadeiro monstro!
          Quase correu quando sentiu os olhos mordazes do chefe sobre ele. Mas era mais sábio conter-se. As balas o alcançariam facilmente.
          - Pois não, patrão? – Gaguejou apavorado.
         - A lóra, Francildo, a lóra, homem! Arranje um jeito de liberar a lóra para mim ainda hoje!
          Sem saber o que diabos era a lóra, tentou disfarçar mudando de assunto.
          - Preciso lhe falar dos negócios, patrão. Os lucros estão...
         - A lóra, Francildo! – Interrompeu aos berros, esmurrando a mesa, cuspindo agitado – Depois falamos do resto! Agora eu quero saber se você pode trazer a lóra para a minha pessoa. Pode ou não pode?
          Teria que perguntar, não havia jeito. Se ele não dissesse o que era lóra, como poderia arranjar? Respirou fundo e, tateando, fez a pergunta. A amaldiçoada pergunta!



              - Chefe, perdão... mas o que é lóra?
          A expressão do chefe se transformou em uma máscara de ódio. Enquanto Francildo o observava atordoado, o chefe puxou o revólver e meteu bala em Francildo, matando-o instantânea e violentamente.
          - Idiota! Imbecil! Está tentando me humilhar?! Não viu a linda mulher quando adentramos nesse recinto? Como ousou me desrespeitar, desgraçado?
          E olhou na direção do petrificado garçom, quase morto de medo ali parado e ordenou:
          - Ei, você! Traga-me uma lóra gelada com urgência, que estou sedento! Ande logo!



Marcelo Gomes Melo

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