Vida comum irrestrita
Há
coisas que tomam o sono, sugam o descanso e não explicam o porquê. Suspiros
mansos afagam o ar quente, pensamentos são marinados em banho-maria; a luz que
emana, fraca, dos lampiões trabalhados em madeira de lei e vidro adornado cria
imagens nas paredes, de anjos, de dragões, de você e de mim.
Nostalgia inclemente resiste, incólume
ante a rebeldia da alma humana. Não requer sossego, mas perseverança.
Os últimos olhares entalham na retina,
para sempre, o que o algoz maior, o amor, determinam para cada destino,
invariavelmente indefinidos graças ao livre arbítrio, mas cobram um preço alto,
que são as escoriações em sequência, os calos que endurecem as mãos, a surdez
para as palavras de alívio...
Divagar sobre suplícios não vividos é
escarnecer da simplicidade de uma vida inerte, sem sal, dourada pelos raios
solares pálidos da Antártida, cínicos, zombadores.
O meio para suprir as lacunas que se
abrem e provocam impaciência e cansaço é apresentar vontade férrea e fome
descarada, desnudando a si mesmo e acrescendo paladares novos incessantemente,
sem parecer cruel, sem abdicar da dádiva da imperfeição.
Ao cruzar os dados estatísticos com os
sentimentais, o homem percebe, finalmente que, qualquer computador é incapaz de
aquecer um coração que pulsa pela necessidade de alcançar o infinito que contém
seu abraço, suas pernas, o seu traço...
Oculto entre os trapos que impedem a
discórdia de aparecer claramente, os laços ancestrais bradam, vilipendiando o
fruto de qualquer envolvimento raso, tornando o esquecimento impossível, e
vencer a luta consigo mesmo improvável.
O que resta é vida. Comum. Irrestrita.
Marcelo Gomes Melo
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