Ele
saiu louco brandindo o facão reluzente, os dentes trincados, querendo justiça
imediata, cabelos desgrenhados, olhos avermelhados pela cachaça de má
qualidade. A esposa correu à frente, desesperada em direção aos fundos do
quintal da enorme casa da família.
Todos os seus desejos contidos por
vários tempos exacerbaram e explodiram de uma só vez, atoleimando os sentidos e
acalentando a fome que lhe roía as entranhas por anos a fio.
Um homem tem o seu limite. E esse
limite, ao transbordar provoca diferentes reações, dependendo, não do histórico
de vida, pois era um homem religioso e tranquilo, uma flor de pessoa, e sim dos
desígnios universais, do clima, do ambiente, do raio que os partam!
O facão era herança paterna. Fazia
parte da família desde o tataravô, que fora criado com o bando de Lampião,
amolado e letal para esfolar peixes, cortar couro e outras coisas mais
arrepiantes. Brandi-lo aos gritos perseguindo o caminho da esposa em direção
aos fundos era chocante, nesse período em que inventaram até uma denominação
legal para o assassínio de fêmeas: feminicídio.
Essa não é uma mera repetição de
desgraça diária com a qual os meios de comunicação faturam insensivelmente,
mostrando sangue e restos humanos espalhados no chão. Muito pelo contrário, era
a mais pura expressão de alegria por parte do homem e sua companheira, porque
acabavam de receber a encomenda do Nordeste contendo carne de sol, rapadura e
farinha da grossa.
A
felicidade foi tanta que a mulher correu para a mesa longa de madeira situada
no quintal dos fundos com os produtos e ele atrás, urrando de alegria com a
arma branca pronta para abrir o pacote. Nem tudo é maldade no mundo, imagem sem
legenda pode ser mal interpretada. A intenção de matar a fome e o desejo por
iguarias da terra natal não incluíam intenções violentas de forma alguma; era
uma expressão pura de amor pela partilha dos alimentos vindos de longe.
Mais um dia no cenário urbano enganoso
das grandes metrópoles.
Marcelo Gomes Melo
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