Da
seara de contos corretos, mas politicamente alheios às sensibilidades tão puras
que beiram à hipocrisia... Primeira parte de uma história curiosa de suspense e,
por que não dizer, terror, a ser saboreada aos poucos e desvendada com a
velocidade oposta ao dia a dia imposto aos viventes desse século sem luzes.
Sanha desqualificada
Parte
I
Do
lado de cá do espelho, Rovena observava o interrogatório do suspeito/vítima de
mais um bizarro acontecimento criminal típico de grande cidade, quando o seu
parceiro entrou, cumprimentando-a com um aceno de cabeça. Imediatamente ele
passou a observar o mesmo que ela, o depoimento que o indivíduo dava a uma
outra dupla de detetives.
- ... Eu estava com os braços algemados
à cabeceira da cama e as pernas abertas amarradas aos pés da mesma, como
puderam verificar ao checarem a ocorrência! – a voz chorosa e desesperada
estava alta e estridente, os olhos do homem esbugalhados e roxos, tanto quanto
a testa. O nariz parecia quebrado, inchado e torto. Sangue seco emoldurava-lhe
a face branca como papel.
- Acalme-se, Dr. Buondaguorda, vamos
por partes para entendermos melhor. – a detetive solicitou a detetive Marisa
Chaves, paciente.
- O senhor matou a sua acompanhante,
Dr. Buondaguorda? – perguntou bruscamente o detetive Sales, batendo na mesa com
a mão espalmada.
- Não! A minha noiva, não senhor, eu
sou inocente! Posso explicar!
- Comece do início, por favor. Vocês estavam
no quarto e...
- E o homem entrou com uma arma enorme
e um facão largo, nos ameaçando! E nós dois ali, nus e aterrorizados em frente
àquele monstro de dois metros de altura e pelo menos uns cento e cinquenta
quilos, com um olhar frio e cabelos tingidos de louro.
-
O senhor percebeu tudo isso, Doutor? – Sales deixou escapar com uma ponta de
ironia.
- Por que pegou esse caso? – o detetive
perguntou à Rovena, do lado de cá do espelho falso, balançando negativamente a
cabeça.
- O caso é importante. – Ela retrucou –
Preste atenção.
-... O homem me obrigou a algemá-la à
cama, também, só que de bruços. – Relatou – Depois fez o mesmo comigo, de
costas.
- Ele falou alguma coisa?
- Não senhora, detetive, não disse uma
palavra durante o tempo todo. A não ser no final, grunhiu quando... – Cobriu o
rosto dom as mãos algemadas, dessa vez pela polícia, com um choro nervoso. O detetive
Sales levantou-se e anunciou que lhe arranjaria um copo com água.
- Dr. Buondaguorda – insistiu a
detetive Chaves – Veja... Precisamos ter certeza de que nada foi deixado para
trás. – Pausa para que ele se controlasse, erguendo os olhos vermelhos para ela
– O senhor tem certeza de que o homem não foi convidado pela sua noiva... Ou
por vocês dois para participar da... Transa? Do colóquio sexual?
- Não! – Ele alterou a voz
visivelmente apavorado – Nós não éramos esse tipo de casal, detetive! Pelo
contrário. Jamais curtimos coisas além do convencional! E se tivesse sido
convidado por que o desgraçado faria uma barbaridade dessas?!
- Calma, calma, nós investigaremos a
tudo, só precisamos esclarecer pontos importantes, que porventura fujam à sua
mente transtornada.
- Jamais irei esquecer! Precisam
prender o maluco imediatamente! Ele assassinou a minha noiva no momento em que
atingia o orgasmo sobre mim!
O
detetive Sales voltou com o copo d’água oferecendo ao advogado Carlos Eduardo
Buondaguorda, provável vítima de um acontecimento brutal terminado em
homicídio. De acordo com as informações iniciais ele estava em um quarto de motel
mantendo relações sexuais com a noiva quando um indivíduo adentrou o local,
armado, os imobilizou e fez sexo forçado com ele, enterrando a faca na nuca da
mulher quando teria atingido o orgasmo.
- Dr. Buondaguorda, solicitamos o kit
de estupro e o encaminharemos para realizar o exame...
- Eu não fui estuprado! – ele interrompeu
de pronto – O desgraçado era gay!
Continua...
Marcelo Gomes Melo
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