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O exterminador






         Entrou no escritório sóbrio de um prédio antigo da parte escrota da cidade, desses sem elevador, com escadas escuras, lâmpadas queimadas. Caminhou lentamente naquele ambiente frio, mesmo que lá fora o sol estivesse brilhando com extremo calor. Arrepiou-se por um instante, mas logo driblou o medo e chegou ao sexto andar, suado e resfolegando.
          Parou em frente à porta velha cuja placa manchada anunciava taciturnamente: “J. Constantini, exterminador”. As pupilas dos olhos se dilataram, a testa se franziu e ele passou o lenço atabalhoadamente pelo rosto, secando o suor que brotara através dos poros, gelados, aos borbotões.
          Bateu fracamente na porta, engolindo em seco. Não houve resposta. Tentou uma vez mais, agora com mais força. Uma voz abafada se fez ouvir lá de dentro:
          - Invada!
          Ao entrar, hesitante, observou o homem atrás da velha mesa que continha um velho computador, um telefone antigo e um porta-canetas. Com o terno barato apoiado às costas da cadeira, ele tomava notas em um caderno, concentrado. Sem saber como se comportar, permaneceu em pé, submisso, segurando o chapéu entre os dedos trêmulos. Não sabia como proceder.
          Segundos depois o homem ergueu o olhar e falou com voz gutural:
          - Sente-se! – e indicou a única outra cadeira no recinto – Fale.
          Ele sabia porque estava ali. Lera o anúncio nos classificados de um jornal de bairro e decidira tomar uma atitude definitiva na vida. Agora que estava ali cara a cara com o homem que poderia mudar a sua história resolveu desembuchar. Não tinha como voltar atrás.





          - Bem... Eu... Procuro... Eu desejo contratar os seus serviços. Gostaria de alguns esclarecimentos antes, se não se importa. – E pigarreou, nervoso.
          - Diga. – O homem recostou-se à cadeira, apoiando os dedos da mão direita no queixo, subitamente atento ao provável cliente.
          - É... Eu gostaria... Quero dizer, quero contratar... – sorri sem graça ao notar o olhar impaciente do homem – Desculpe, eu já disse isso. O senhor é mesmo um exterminador?
          - O que acha?
          - Sim, perdão, eu não quis ofender. O senhor atua nesse ramo em qualquer local e situação?
          - Sim. Extermino individualmente ou em grupo, dependendo da necessidade.
          - O local é a minha casa.
          - Sem problemas. É um rato, uma reles barata? Garanto que elimino rapidamente, serviço limpo. O senhor estará livre em pouco tempo. Ninguém saberá.
          - Bom! Muito bom. Eu... Quero um trabalho rápido e discreto. Para isso estou disposto a pagar o seu preço em dinheiro vivo. Ela precisa deixar esse mundo, comer capim pela raiz, se é que me entende.
          - Entendo, sim. É um único ser desprezível que atormenta a sua vida por todos os cantos da casa, tanto de dia quanto de noite.



         - Isso mesmo! Estou farto daquela maldita! Gasto muito por conta das exigências que ela faz. E não tenho êxito nas minhas intenções. Pareço um covarde sem poder para me livrar dela de uma vez por todas!
          - É natural. Acontece em mais casas do que imagina. Por isso o meu negócio prospera.
          - Como pretende matá-la? Se não for indiscrição da minha parte, é claro.
          - Poderia esmaga-la cruelmente em sua residência; seria um serviço rápido mas deixaria muita sujeira no local e uma experiência psicologicamente destruidora para o senhor.
          - Nem eu quero isso, pelo amor de Deus! Apenas não deu certo a convivência anos a fio. Quero que ela tenha uma estadia tranquila no céu.
          - Espere aí, espere aí! Eu me proponho a dedetizar a sua residência toda, acabar com essa praga nojenta e prevenir a criação de outras. Mas o que o senhor acaba de afirmar é nojento! Kafkiano, eu diria! O senhor tem um caso extraconjugal com um inseto maldito?!
          - Que barata, meu amigo?! Estou querendo apagar a minha mulher! O senhor não é exterminador?!
          - Sou exterminador de pragas, entendeu? De pragas! Não extermino pessoas! De onde tirou essa ideia maluca?!
          Fez-se um silêncio constrangedor. O cliente de cabeça baixa, o exterminador coçando o queixo, pensativo.
          - O senhor me perdoe, foi o desespero, eu entendi errado...
          Levantou-se e caminhou lentamente até a porta. Antes de sair, parou e voltou-se com um ar esperançoso:
          - O senhor não conhece ninguém nessa área de trabalho para me indicar?




Marcelo Gomes Melo

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