Há algum tipo de amor no início desse século?
Ele,
garoto da periferia, filho de pedreiro com dona de casa, aprendeu desde cedo o
valor do estudo e do trabalho. Ela, nascida na classe média alta, bairro nobre,
filha de advogada com líder sindical aprendeu logo o valor da influência, do
dinheiro e status para colocar-se tranquilamente nas melhores posições, e então
lutar pelo bem estar dos mais necessitados, pelo menos do ponto de vista dela
mesma.
Ele começou a trabalhar cedo como Office
boy em meio período, no mais aclamado escritório de advocacia do país,
combinando com os estudos incessantes. Galgou, posição por posição o próprio
espaço, até se formar com muito esforço.
Ela, na melhor faculdade possível,
demorou a se formar por conta das greves que liderava contra qualquer coisa que
se movesse ou respirasse; fazia piquetes e queimava pneus nas esquinas, gritava
palavras de ordem e se envolvia em embates violentos contra as forças opressoras.
Mesmo assim conseguiu se formar advogada e ganhou de presente um escritório só
dela na área mais badalada da cidade para se exercer a profissão, embora quase
não aparecesse por lá; era apenas mais uma fonte de renda, tocado por
contratados competentes.
Ele era capitalista. Amava a riqueza e
admirava o poder que emanava daqueles ambientes e de seus ocupantes. Desejava
vestir-se como eles e possuir o que eles possuíam; roupas de marca e carros
importados estonteantes para impressionar as pessoas que o viram na miséria, e
mostrar a própria evolução sócio-profissional.
Ela
frequentava locais pouco usuais para alguém de seu porte institucional, como
frentes de fábricas, pátios, estacionamentos, praças públicas, fazendo
protestos e reivindicando vantagens e direitos para o povo, contra a minoria
branca e rica, como ela.
Ele usava relógio de ouro e diamantes
e era reconhecido nas baladas regadas a uísque pelo seu comportamento arrogante
e exigente. Ela usava camisetas de grife com a foto do Che Guevara e era conhecida
no meio sindical e político como uma garota arrogante e exigente.
Viviam nos ambientes mais opostos e
agiam de maneira bastante diferente; havia quase que nenhuma chance de eles se
encontrarem. Só que eles se encontraram. Os seus olhares se cruzaram.
Ele estava saindo de uma boate da moda
e caminhava até o seu carro importado, carregando aquele sorriso fixo dos
deslumbrados. Ela estava na esquina, barrando a passagem com um piquete contra
as atividades que ocorriam na boate com o aval e participação dos porcos
capitalistas. O carro dele fora pichado e os pneus furados; retrovisores
quebrados.
Como todos aqueles que dão valor às
coisas conquistadas com muito suor ele ficou pálido e enfurecido contra aquela
turba de pobres invejosos de seu sucesso. De braços abertos deixava à mostra o
seu Rolex no pulso, exigia saber quem
cobriria os prejuízos.
Ela notara as roupas caras e o olhar
incrédulo dos ricos atingidos por prejuízo financeiro. Ele notara a força no
olhar decidido da moça.
Eles caminharam na direção um do
outro, na calçada, tendo o carro como paisagem de fundo. Estavam destinados a
se encontrar ali, naquele momento, daquela forma.
Ela
tomou a iniciativa. Portando um bastão roliço de madeira resistente arremeteu
com fúria e partiu o crânio dele com alguns golpes potentes. Ele morreu na
hora.
Não existe amor no início do século
XXI.
Marcelo Gomes Melo
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