Na selva ou na relva
Eu
passava os dias com os olhos mergulhados nas transparências do vestido dela. E
o que eu enxergava ia além da pele macia e quente; era pura magia se
eternizando nos movimentos loucos adolescentes que eu fazia, dia após dia.
Pelo jeito que me olhava, às vezes,
acho que ela sabia. Sorria, era o que parecia, mas nada dizia.
Ela caminhava despreocupada na
freguesia. Todos queriam as flores que ela vendia. Não pelas flores, que embora
lindas, perto dela eram vazias. Perto daquele sorriso cálido que ela trazia.
Pelo perfume daqueles cachos que exalava quando movia.
Eu nem me lembro desde aquele tempo,
porque sorria. Eu, como todos, nem percebia.
Até que um dia, sem olhar para trás,
sem qualquer remorso ou rebeldia, ela se afastou, com passos lentos, com a sua
cesta, para bem longe daquela cidade fria.
Ninguém tem ideia de onde ela veio,
quando chegou; muito menos agora para aonde ia.
Eu, sentado no muro a enxergava, mas
nada via. Eu era jovem, bem inocente, não explicava o que sentia.
Coração torto, olhos ressecados, vida
sem rumo, desde aquele dia. Nunca mais consegui externar o que me atingia.
Foi
ali que me tornei homem, e aprendi que as noites podem ser intermináveis, sem
haver dias.
Incrível como ainda penso nela sem
lembrar o rosto, ou o sorriso, as formas, a leveza ou a magia.
Lembro apenas das flores. Do perfume
das flores, das cores, do fim do dia.
Por isso tenho tatuada a canivete uma
rosa na pele fria. Para lembrar que o impossível está sempre um passo à frente,
lhe obrigando a evoluir para sobreviver a qualquer custo, na selva ou na relva;
em que pensar nela o fardo alivia.
Marcelo Gomes Melo
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