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A assimetria do amor



Foi uma garota siciliana quem me contou que o amor é assimétrico e a tristeza é marrom, quando ainda há retorno. Em sua jovialidade sábia ela acrescentou que o cinza é para os dias gelados, mas com esperança de troca de rumo, e os licores nem aquecem, nem refrescam, apenas adocicam a língua por alguns segundos, e isso basta para encontrar a perdição.
Essa garota, a siciliana, mantinha a si mesma aquecida com uma longa jaqueta de lã, e os cabelos ruivos e curtos cobertos por uma boina cor de cereja, refletindo a canção do Prince. Os olhos nunca paravam, atentos em todos os lugares, capturando cada nova imagem, segundo o conselho de Fernando Pessoa, tomando a vida como um copo do mais valioso néctar, cujo sabor se perderá para sempre caso seja desperdiçado, e jamais saboreado da mesma maneira.
Enquanto a fitava com uma expressão enigmática ela parecia não prestar atenção em mim; só parecia. Na verdade, estava consciente do quanto eu a observava e como a observava. O que a intrigava era não ter a menor ideia do que se passava pelo meu pensamento.
Como uma boa garota europeia, siciliana, mordeu a fatia de pizza com gosto, lambuzando os belos lábios de azeite, sem se importar. Ela deveria ser algum tipo de anjo em calças pretas apertadas e botas de couro cheia de laços.
Como conversava displicentemente, movia os braços e o corpo em sintonia com a bela voz. De vez em quando eu me perdia ouvindo o som sem perceber os significados, para então voltar na metade de uma frase interessante, filosófica sobre a assimetria do amor e dos níveis de calor das paixões, sagradas como os rituais celtas antigos que garantiam coisas como paz, honra e afastava os sintomas de solidão, aquela incômoda, depressiva.


As flores perfumavam conforme a situação, era o que ela defendia nesse momento. Em situações de agradecimento, um tipo; de desejo, outro tipo; de tristeza... As mesmas de sempre. E essas não enfeitavam bem.
Finalmente ela sorriu, terminando a sua pizza, lambendo os dedos mais como adolescente do que como uma mulher. Sorriu como um dia ensolarado e se espalhou por mim. Tudo o que pude fazer foi devolver um meio sorriso, tímido, cansado.
Havíamos nos conhecido há pouco, na estação de trem. Ela com uma mochila, eu com as mãos nos bolsos. Nada em comum, a não ser a tal assimetria.



Marcelo Gomes Melo

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