...
E quando menos se espera, pow! A pancada vem forte, não se sabe de onde!
Entontecido o cidadão vê através de uma cortina nebulosa, algo pegajoso
escorrendo por entre os cabelos em abundância, ensopando-lhe a cara.
Não
mais do que de repente, um escorregão na pista molhada, ao lado do abismo,
encarando as nuvens no mesmo nível, por um instante se pergunta se é o caminho
para o céu, traçado inesperadamente. Não, é engano, não teve tempo necessário
para ser perdoado pelos seus pecados fúteis, o que dirá dos ferrados mesmo,
aqueles para valer, que atormentam em segundo plano, dia e noite, como
agulhadas nas costelas.
O
que seria então? Uns passos trôpegos, uma tosse com massa de tomate na
camisa... Massa de tomate? Turvos, os pensamentos. Ausência de dor, apenas um
sono culpado, aquele que lhe ataca nos sermões longos em qualquer igreja e lhe
faz lutar para não ser flagrado pescando, tombando para o lado sobre a pessoa
mais próxima, um embaraço para ambos.
Passos
sem direção, não há bússola no coração, alguém disse. Quem? Onde? Algum poeta,
filósofo? Apaixonado inculto, talvez? Em um biscoito da sorte, é o mais
provável.
As
pernas bambas, o coração latejando, fizera amor recentemente? Essas não eram as
dicas do retorno do paraíso? Tremores incontroláveis, não pode ser um
terremoto, não há barulho. Surdez. Total surdez. As imagens embaraçadas ao
redor, nada de vozes ou seres, apenas manchas se movimentando à volta. Manchas escuras.
Não! Inferno também não! Ele não foi tão mau assim, por favor!
Parece
ser sangue. Na camisa, nas mãos, no rosto. Deve ter ajudado a matar um porco,
pensa. A dentadas. Ninguém fica desse jeito em um churrasco. Bêbado. A
tonteira, o tremor, a quase cegueira... O que atrapalha a teoria é não bebia álcool.
Era uma promessa cumprida até o fim para ela. Dentre muitas outras que não
funcionaram. Não bebera mais álcool nem fumara, nem maconha. Por que aquele
cheiro de queimado, então?
Agora
vozes longínquas, sirenes... Ou trombetas de anjos o recepcionando? Estremecimento
involuntário. Pelo menos era o céu, não o inferno. O céu não seria assim
barulhento. Ele gelou. As vozes em torno dele, almas atormentadas? Não era
massa de tomate, parecia mais suco de morango. Som de chuva, trovões, agora via
uns flashes, como relâmpagos.
-
Senhor, deite no chão, deite no chão!
Deitar
no chão?! Assalto? Chuva? Deitar no chão?!
-
Senhor, vamos ajuda-lo, fique calmo.
Homens
e mulheres de branco com uma cruz vermelha no peito. Seriam suíços? Não, ele nunca viajara para fora do país!
-
Senhor, fique tranquilo, vamos leva-lo a um hospital aqui perto. Deu sorte. A
ambulância chegou rápido.
Ambulância?
Então... Ainda estava vivo, mal enxergava, não conseguia falar, mas vivia!
-
Senhor, aconteceu um acidente...
Era
uma voz feminina, firme, profissional.
-
Somos paramédicos. O senhor foi atingido por um raio, está chamuscado, mas vai
sobreviver.
O
quê, raio?! Que raios era aquilo?!
-
Não deveria andar com essas correntes de ouro grossas no pescoço nessa área
chuvosa, senhor. Nem que fosse um rapper.
Voz
firme, masculina. Movendo a maca.
Agora
lembrava. Brigaram. Ela não parava de falar. Saíra para espairecer e a chuva o
pegara de surpresa. As correntes de ouro... Só podia ostentar ali mesmo, na
fazenda. Na cidade era muito perigoso.
Marcelo
Gomes Melo
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