Cabrunco marcado para sofrer
Quando
criança costumava dançar em volta do povo, de chapéu, camisa xadrez e uma botina
ortopédica de bico fino, salto alto. Aquela figurinha ridícula exibida pelos
pais orgulhosos nas tardes de sábado sob o auspício daquelas músicas de duplas
caipiras eletrônicas que se vestem como texanos, mas não fazem a mínima ideia
do porquê.
A ilusão de se tornar um dançarino ou
cantor caipira, com aquela voz fina e chorosa lamentando a traição de um amor
ou exaltando o caminho do coma alcoólico para sobreviver sumiu quando completou
onze anos e foi requisitado para cortar cana por doze horas sob o sol
escaldante. A ironia é que, no primeiro dia de lida achara lindo acordar cedo
para passear de caminhão.
Pelos próximos dez anos aprendera que
rapadura é doce, mas não é mole. Adquirira um bronzeado natural perpétuo, que
causaria inveja às artistinhas de tevê, e rugas em torno dos olhos que
lembravam a uma sanfona, ou uvas-passa. Os sulcos no rosto, profundos, o fariam
semelhante ao roqueiro Keith Richards, só que ele tinha apenas vinte e um anos!
Sendo um rapaz bondoso, honesto,
frequentador da igreja aos domingos, ainda dançava nas quermesses e era
considerado um fenômeno em sua cidadezinha. Assistindo a sua apresentação, um
pastor, que também era caixeiro viajante, vendedor de roupas de cama em seu
velho fusca pelo interior, sugeriu que ele fosse para a cidade grande dançar na
Praça da Sé, levar a alegria ao povo e ganhar a vida sem tanta dificuldade,
tornando-se um astro nacional.
A
sugestão encontrou apoio nos fiéis católicos e evangélicos que realizaram uma
vaquinha para lhe comprar um chapéu de vaqueiro novo, outra camisa xadrez e uma
bota com solado de pneu de caminhão. Colocando o velho cinto com enorme fivela
com a insígnia PCC (Peão Cortador de Cana) estava pronto para ganhar o mundo.
Aceitou a carona de fusca, pegou sua trouxa e se mandou para São Paulo, na tal
Praça da Sé, em busca da felicidade.
Ele acreditava que logo seria exaltado
e reconhecido pelo povão da cidade grande, como o era no buraco em que vivia,
mas a surpresa veio imediatamente. Quando ligou o radinho com o som da dupla
Tadeu & Tadando e começou a dançar, viu que a concorrência era gigante!
Homens de paletó barato urrando em nome de Deus, causando impacto ao atirar a
Bíblia no chão, cabeludos sem camisa mergulhando no meio de um círculo de fogo
e espadas, vendedores de produtos naturais berrando os benefícios de cada
poção, um cara dançando com uma boneca ao som de forró... Como se destacar naquele
meio?!
Entretanto ele se destacou. A polícia,
vendo a sigla PCC na fivela de seu discreto cinto, chegou violenta e quebrou o
seu rádio, algemou o cabrunco e levou para a cadeia sob uma chuva de cascudos,
sem ele saber sequer a razão. A sorte é que a justiça solta rapidamente quem a
polícia prende. No caso dele com razão.
Logo percebeu que não era nada do que
pensava viver em uma cidade grande. Arrumou um emprego como auxiliar de
pedreiro, nunca mais cantou nem dançou. Estava demasiadamente concentrado em
perfurar seu caminho para baixo, sobrevivendo enquanto e como pudesse.
Marcelo Gomes Melo
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