A tosca possibilidade de amar
Quando
eu não fazia ideia de que lhe amava, eu levava flores do campo todas as manhãs
para enfeitar a mesa do seu café da manhã, o qual eu preparava cantando
baixinho hits dos anos 80, alheio ao sol nascendo lá fora, clareando o espaço
limpo e agradável em que você habitava.
O cheiro do café brasileiro que eu
fazia, à moda antiga, com bule e filtros de papel espalhava-se pela residência,
dando um sabor de vida e família. Naquele tempo eu nem entendia assim, era algo
gostoso, mas sem significado.
Quando eu não fazia ideia de sua
importância vital para a minha existência, eu colocava canções românticas para
suavizar os seus dias e costumava voltar para almoçar com você, comida
brasileira cujas receitas eu sabia de cor, e garantia que ficassem deliciosas
para o seu prazer.
Às tardes conversávamos e sorríamos, e
eu recitava poesia milenar para o seu deleite, tomando suco gelado e café com
biscoitos.
Realmente tudo era pra mim algo
especial e instrutivo, embora não houvesse como definir ou determinar o que
havia entre nós. Eu não sabia do amor infinito que em mim habitava.
O anoitecer era tranquilo e jantávamos
e víamos TV, brincávamos um com o outro até que o sono viesse, então lhe
acompanhava até o seu quarto, fazia um gesto de boa noite sem tocá-la e fechava
a casa antes de ir embora, religiosamente à mesma hora, rotineiramente.
Então
a tempestade chegou, inesperadamente em uma noite em que bebíamos vinho e
conversávamos através dos olhares, nos aproximando cada vez mais através dos
relâmpagos e trovões que ribombavam lá fora.
Naquela noite eu não pude ir, tive que
permanecer com você e uma nova garrafa de vinho. Os trovões me fizeram entrar
em seu quarto pela primeira vez. Compartilhamos a cama. Foi algo surpreendentemente
perfeito e prazeroso para nós dois.
Isso se repetiu depois, com
frequência, com ou sem tempestade por muito tempo. Com ou sem vinho aprendemos
um novo modo de interação, mais completo e, de vez em quando doloroso para
ambos. Eu nunca soube explicar a sensação de vazio quando cometíamos algum erro
que nos impedia de compartilhar o mesmo quarto, momentaneamente.
O destino causa problemas em situações
como essa. Um dia entendi que aquilo que nos movia era amor. Eu estava
perdidamente apaixonado por você.
Triste descobrir daquela maneira.
Irônico passar uma vida de alegria sem saber a razão e só agora que você se foi,
me reconhecer habilitado para definir nossa vida.
Como continuar a existir sem você é a
minha nova questão sem resposta, um desafio para prosseguir com uma vida sem
propósito, que se arruinou no momento exato em que acreditei na tosca
possibilidade de amar.
Marcelo Gomes Melo
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