*Ao Morro dos ventos uivantes (Uma
visão própria de amor e vingança)
Retorno
ao local de beleza inigualável em que fui torturado como um escravo e posto de
lado como a um lacaio, homem sem família, rude e grosseiro que cresceu nesse
ambiente, forjando o corpo e a mente com o ar revigorante e os insultos
descabidos. Em minha mente ecoa os insultos de quem me reduziu de status e
conduziu a vida a um estágio sombrio e nocivo dia e noite, encontrando em mim
resistência voraz como uma parede de aço que retornava em silêncio todo o
castigo recebido, emocional ou físico.
Em meio a esse terror inacabável havia
você, Cathy, uma flor que acariciava o rochedo duro e inerte como o meu corpo e
deslizava comigo pela relva úmida da manhã, dividindo a respiração em nuvens e
o sorriso inocente, abrandando o meu ódio pelas pessoas e o meu desprezo pela
existência de qualquer coisa que não fosse você.
A bela Cathy de bochechas rosadas que
murmurava o meu nome como algo divino, me aproximando de Deus com a facilidade com que eu poderia entornar uma
garrafa de Bourbon sem pestanejar, praguejando contra o universo. Eu sempre fui
o ódio por trás da pesada porta de madeira e os relâmpagos habitavam os meus
olhos vorazes desde sempre. Nesse tempo eu era uma figura digna de ser amada,
Catherine?
Hoje a minha amargura precede os meus
passos e a força dos meus punhos não hesitam em descer sobre inocentes em busca
de uma vingança eterna! Você sabia de meu temperamento quente, forte como o meu
ciúme e incompreensão. Um homem destrutivo a quem arrancaram a flor mais
preciosa, o equilíbrio para sustentar a tristeza do mundo com toda a felicidade
que o sorriso dela gerava pode sobreviver? Certamente que não! Morreria
imediatamente após dizimar os responsáveis por tal malvadeza e audácia!
Mas
não foi o que aconteceu, foi, Cathy? Eu não ser um cavalheiro, não saber nem me
importar em usar os talheres ou usar a roupagem dos almofadinhas era muito para
a sua delicadeza esnobe? Tanto que cedeu aos argumentos fúteis de riqueza,
poder e status contra um amor verdadeiro, nascido e criado sob o augúrio dos
ventos uivantes, nas tardes em que você se apoiava em meu peito e eu sorvia o
perfume memorável dos seus cabelos em meu rosto!
De que vale se achar solitária no
escuro em que habita desde que fui embora para me tornar um cavalheiro e obter
mais poder do que o dos meus braços, agora? Uma morte solitária, sucumbindo à
fraqueza sem poder caminhar pelas pedras e inspirar o poder natural, recolhida
ao seu quarto até dar à luz uma maldita criança que me fará reviver o seu lindo
rosto e a suavidade de seus gestos pelo resto da tortura que me tatuou chamando
de vida!
Sou eu, Heathcliff, transformado em
cavalheiro como o dos seus sonhos, mas com infinita e maior coragem e poder de
decisão; em meu desfavor, Cathy, apenas o ódio que faz parte de mim e me guiará
à vingança infernal, destruindo a todos os que me separaram de você, inclusive
a mim mesmo. Por que me abandonou friamente, Catherine? Não vê que isso custará
um milhão de vidas?! Serei o destruidor que, ferido mortalmente por uma amor imortal,
jamais deixará de viver, e muito menos poderá novamente sorrir. Viver para
sempre nesse limbo é pior do que o local em que você agora habita, lamentando
incessantemente?
Destruído
e cruel, faço o meu caminho banhado em sangue e maldades, imune a qualquer
outro tipo de sentimento. O amor por você me cegou, alucinou e escravizou; e
agora me tortura lentamente causando espasmos de insensibilidade, relegando os
que estão à minha volta a meros instrumentos que serão usados como vingança
eterna.
Mesmo assim, a cada entardecer, bêbado
e entorpecido por fora, ainda ouço a sua voz suave chamando o meu nome,
lamentando o destino e me convidando a passar por sua janela ao anoitecer,
definitivamente. Desde então aguardo ansioso o chamado da morte, a queda sem
fim que me livrará, creio fortemente, da agonia infinita!
Marcelo Gomes Melo
*Visão
particular da obra prima Wuthering Heights, de Emily Bronte.
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