O
homem que comia demais
Sebastião
Uirapuru de Souza era um homem intrigante. Cidadão de meia idade, alto e
robusto, de conversa suave e sorriso fácil, procurava sempre andar bem vestido
e perfumado e carregava consigo uma filosofia a qual defendia de maneira feroz:
“Não se deve perder uma oportunidade na vida, pois no final das contas somos
apenas carbono e minerais, e quando reduzidos a cinzas nosso valor é irrisório”.
Atendia
pelo carinhoso apelido Sebá, mas se autodenominava “O homem que comia demais”.
Isso por diversas razões. Primeiro porque era fiel à sua filosofia, então, como
Bon vivant profissional, comia e bebia do melhor sempre que fosse possível, nos
melhores restaurantes ou nos piores botecos de beira de estrada. E segundo,
porque também se julgava um Don Juan de excelente categoria e não perdoava
qualquer oportunidade sexual que lhe aparecesse, fossem suas presas empregadas
domésticas, atletas, madames, pobres, ricas, jovens, maduras, transexuais, nada
lhe escapava.
Sebá
utilizava como persuasão o seu mote infalível; repetia incansavelmente que
ninguém era mais do que carbono e minerais, e logo virariam cinzas. E virando
cinzas, de nada mais valeriam... Então por que perder tempo com conflitos
morais ou padrões de comportamento social se a vida é tão curta e sem
propósitos?
Um
homem tem que formar os seus próprios propósitos, e prazer é o melhor que um
simples ser humano pode almejar num mundo tão frio e cruel. Toda forma de
prazer.
E
foi isso o que, ironicamente, causou a Sebá Uirapuru o desfecho mais óbvio para
alguém como ele. Um cara que trabalhava como cambista, que administrava casas
de prostituição, recebia suborno para deixar menores entrar em festas regadas a
ecstasy e bebidas... Sabia se virar tranquilamente e fazia de tudo para morder
a grana e viver em alto estilo.
Nos
tempos de vacas magras Sebá se virava como podia, sem esmorecer nem perder o
sorriso largo e feliz. Chegava a recolher-se ao interior das cidades grandes, o
que era o pior dos terrores, a pior das punições para um homem como ele. As
grandes cidades eram o sol para ele, que girava em torno delas, hipnotizado
pelas inúmeras fantasias que podiam lhe proporcionar. Mas quando tudo piorava,
Sebá se embrenhava mais e mais no interior, distante da boa vida urbana que lhe
movia e pela qual ansiava.
E
foi num desses momentos, sem dinheiro e sem prestígio que ele teve que
recolher-se num local pouco habitado, no meio do mato e perto de uma fábrica de
tijolos, dessas com grandes fornos antigos, local em que não se via resquícios
de seres humanos.
Ao
fazer o reconhecimento do local, ele notou que havia a olaria abandonada para
dormir; havia bois e vacas, então teria leite de graça, e umas cabritas... Isso
fez o sorriso oportunista de Sebá se alargar. Ali seria o rei por uns tempos, com
leite, frutas, local para dormir, apesar do frio noturno... E cabritas!
Um
metrossexual como ele podia resignar-se e aproveitar como pudesse por uns
tempos. E foi assim durante uns dez dias. Para aguentar o frio da noite
enfurnava-se dentro de um dos fornos e dormia pesadamente, sem sonhos. Isso foi
o início do fim.
No
décimo primeiro dia de seu retiro por lá, transando com as cabritas e tomando
leite de vaca, homens apareceram. Dezenas deles. Assustado, Sebá manteve-se
dentro do forno, deitado, com medo de que descobrissem seus apetites sexuais
com os animais alheios. Em determinado momento adormeceu. Sono pesado. Nem
percebeu quando acenderam o forno.
Morreu
de acordo com as suas convicções: “Somos nada mais do que carbono e minerais. E
no final das contas as cinzas se espalham ao vento e de nada valem...”.
Há
quem se desprenda da vida a ponto de parecer um tolo.
Marcelo Gomes Melo
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