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Comi!

           Eu mordi. Sentei os dentes sem piedade porque era gostosa demais para deixar passar. A minha imagem diante daquele suculento acepipe, macio e maravilhoso era a de um lobo salivando, os enormes dentes à mostra, pronto para dar o bote e degustar instantaneamente, saciando a minha voracidade.

        Não poderia renegar a minha espécie, fugir ao meu destino de apreciador das delícias inesgotáveis, inexplicáveis, inefáveis... Mesmo Não me sendo oferecido aquele regalo arredondado, cheiroso, quente e atraente, os meus músculos tremeram de prazer ante à mera possibilidade de comer. E agora, lambuzado e satisfeito posso garantir que comi.

         Eu faturei e foi muito bom; comeria de novo, devo ressaltar. A fome cumpre diversos estágios, que instigam a coragem de um homem e o transformam em uma arma pronta para atirar.

       O primeiro estágio é o cheiro. Você inspira e flutua, sendo guiado ao jardim dos prazeres mesmo sem saber a forma e o sabor, desejando assim mesmo através da imaginação.

       O segundo estágio é a observação. Você vê aquela maravilha saltitante, palpitante, aparentemente à sua disposição, prontinha para ser tomada e comida com um gosto especial. Você devora com os olhos.

        O terceiro é o toque. Suas mãos tateiam, exploram, apertam, espremem, mapeiam... É uma loucura até o momento em que você prepara o ataque fatal, olhos esbugalhados, suando gelado frente a expectativa maioral de saciar o desejo.

      Não precisa receber permissão, não aguenta esperar um oferecimento. Você sabe que dará um enorme problema e será julgado pelo excesso de desejo que gerou essa atitude antissocial e odiosa de sua parte.

        Eu comi! E afirmo que foi bom, embora ela tenha ficado surpresa com a minha ação veloz, chegando, pegando e me deliciando sem me importar em pedir antes, pelo menos.

        Ela ficou paralisada e estática, sem saber o que dizer ou fazer, na frente de todos. O fato é que tomei o sonho enorme das mãos dela e comi sem dó nem piedade. Depois, satisfeito, um tanto envergonhado, informei: “Eu pago outro”.

                             


Marcelo Gomes Melo

 

 

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