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A pobre vida

 

Eu quero queimar as roupas que eu usava quando pensava assim. Como a maioria! Quero tomar um longo banho com sabonete líquido, bucha, sais de banho, xampu, e sair novo para ser julgado em frente do espelho, fazendo a barba, cortando os cabelos, mudando o que é externo para começar a me diferenciar dos iguais, porque finalmente caiu a ficha e passei a notar em mim a inutilidade dos membros de um rebanho.

Eu desejo reconstruir em minha vida uma nova maneira de pensar, partindo do zero, apagando todas as minhas memórias até aqui do jeito que se faz com um computador resetado para, como uma criança grande observar a todos os acontecimentos e tentar formar sozinho uma maneira filosófica de enxergar o mundo, e de viver à margem de uma sociedade previsível sem julgar ou ser julgado pelas decisões tomadas.

A minha nova vida precisa me encaminhar a um fim suportável, embora imagine que a solidão será a minha única companheira, principalmente porque não quero parceiros de pensamento, seguidores das minhas ideias.

A grande dificuldade se apresenta por causa da minha determinação em ser um único vivente livre de verdade, sem compartilhar absolutamente nada espiritual ou fisicamente com ninguém, me recusando a ser influenciado e vivendo apenas para não influenciar.

Será que superarei todas as dificuldades? Cegar a mim mesmo para não enxergar a nenhum outro. Ensurdecer-me para que os sons não me emocionem ou enraiveçam. Cortar a própria língua para resistir a me pronunciar jamais!

Isso seria o suficiente para ser uma nova pessoa, fincada em um mundo de coerências hipócritas em que status é o que favorece sempre, em detrimento dos menos dotados de posses e significância?

Ainda assim, todo mutilado, eu ainda estaria pensando, e pensar influencia a mim mesmo, tira a pureza dos meus sentimentos e se volta contra a determinação tácita de não aceitar influências nem de mim mesmo.

Não pensar seria a última das soluções. Para realizar isso teria que me matar. Sair dessa vida e deixar de ser um membro desse mundo incompreensível. Até perceber, frustrado, a total incapacidade de me suicidar sem a ajuda de qualquer um. A inutilidade da minha vida só não é maior do que a impossibilidade de ousar tentar ser outro ser humano e acabar por perceber como perdi tempo com vergonhosa filosofia falsa, que jamais irá existir.

Marcelo Gomes Melo

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