Escrúpulos de grau indeterminado
A
sopa esfriou e no meio daquela camada de gordura em que submarinos em forma de
legumes e navios em forma de pedaços de carne encalharam era possível para
qualquer um que naquele momento, com uma colher na mão parada à altura da
fronte ler o destino próprio e de outrem.
O cheiro gostoso impregnava a cozinha,
o calor confortável contrastava com o frio janela afora, a luz mortiça não
cobriria a escuridão com certeza, e a imobilidade dos presentes os faz existir
em torno da bendita sopa fria, que reflete os seus cérebros gelatinosos
imóveis, imutáveis, inúteis.
A colher entre os dedos rígidos é a
única arma, já que o cérebro foi dominado pela sopa, mas inanimada, sem poderes
onomatopaicos.
O mar à noite, o alto mar à noite, a
sensação de desprendimento, incapacidade de exercer as ações que o pensar
determina, sugere e ilusiona.
Está tudo armado para dar certo.
Aparentemente é o melhor dos cenários para todos os envolvidos: calor,
alimentação, proteção física. Entretanto, ninguém toma a sopa.
Marcelo Gomes Melo
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