No topo da carnificina. O beijo da
morte!
“Eu
estou no topo da carnificina. Considero a astúcia como a minha qualidade mais
afiada”, pensou o homem enfeitado com as roupas de marca mais cara do mundo,
fumando o seu cigarro nojento com um meio sorriso grudado na cara sem vergonha.
“Eu utilizo o gel para cabelo mais
cheiroso do universo, um imã para as mulheres mais modernas e inventivas, cem
por cento comprometidas com a estética, beleza e finanças (não necessariamente
nessa ordem) como sinônimo de qualidade de vida; e qualidade de vida é sinônimo
de euros na carteira importada e cartões de crédito internacionais sem limite”.
Sentado em torno de uma das mesinhas luxuosas do bar de
um luxuoso hotel, o enfeitado fita a trabalhada xícara de porcelana com o cappuccino
delicioso que tem o privilégio de saborear. Afrouxa a gravata de seda e sente o
perfume marcante que usa com parcimônia. Está plenamente satisfeito consigo
mesmo.
Ao verificar o horário em seu relógio
suíço forjado em ouro com ponteiros e números em diamante, a aliança no anelar
esquerdo cega momentaneamente aos presentes com seu brilho generoso, um sol
dentro de um local fechado. Não pode se dar ao luxo de esperar nem que fosse ao
Papa. E sorri silenciosamente do próprio chiste, já que aquele fenômeno
maravilhoso que agora serpenteava através do salão atraindo a todos os olhares
masculinos invejosos, era o oposto do santo homem.
“Eu acho que mereço esses mimos
ocasionais, porque poderosos como eu são muito mais do que simples seres
humanos; o poder nos transforma em entidades acima da lei. De qualquer lei,
principalmente a lei do amor”.
Ergue-se
com elegância e beija a mão do monumento semi-coberto por um vestido colado com
menos pano por metro quadrado a um preço exorbitante do que um abadá carnavalesco,
mostrando mais do que insinuando.
“Escolhi lindamente essa mulher
incrível, com currículo, além de tudo”, pensa ele, os olhos brilhando,
lúbricos. Ela era socialite, ex Big brother, profissional de eventos especiais
em retiros espirituais de políticos e jogadores de futebol famosos, além de
empreendedores ligados ao poder. Empenhada em tornar-se apresentadora de TV e
atriz em um futuro próximo.
“E tudo isso me pertence pelas
próximas três horas! Que investimento sensacional e desestressante!”.
Tudo armado, combinado e acertado,
sobem para a suíte presidencial, recebidos com flores, champagne e bombons. A
tarde que todo homem bem sucedido sonha, mas apenas alguns como ele estavam
aptos a realizar.
“Se me preocupo com a minha imagem
pública e pessoal? Claro! Se acredito que serei pego no pulo do gato pela
administradora de cartões? (mulher de pobre é que é dona da pensão) Não! Sou um
profissional com a agenda escalonada, tudo muito bem amarrado para evitar
surpresas. E a essa hora a esposa deve estar em frente à TV 4k de 100 polegadas
assistindo ao jornal...”.
Um
indivíduo especial, despreocupado e milimetricamente feliz, imerso em sua tarde
de prazer monumental regado a bebidas caras e chuva de notas de dinheiro sobre
a cama. Vida de rei!
A alegria e o prazer acrescentam doses
cavalares de confiança, fazendo um homem flutuar nas nuvens dos seus domínios.
Tanto que, arrogantemente decidiu acompanhar a beldade até o táxi, na calçada
do luxuoso hotel. A moça, com a bolsinha prateada empanturrada de dinheiro
sorria como um crocodilo saciado, segurando o cotovelo do homem e deixando-se
guiar como a uma rainha.
Antes de entrar no táxi, um longo
beijo de despedida. O que o poderoso enfeitado não previra foi a equipe de
jornalismo do outro lado da rua, fazendo uma reportagem ao vivo, usando a ele,
à moça e ao táxi como pano de fundo. Ao vivo para todo o Brasil. O beijo da
morte!
Marcelo Gomes Melo
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