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Festa de empresa é baile de favela



          Empresa luxuosa, multinacional, com salão amplo e maravilhoso para a realização de festas anuais para seus funcionários e convidados importantes. Grande varanda com visão para jardins infinitos e árvores centenárias, tendo como cenário de fundo a cidade gigantesca com suas luzes brilhantes à distância. O local perfeito para quem trabalha sob pressão o ano inteiro, estresse lá no alto, liberar-se e beber as melhores bebidas e comer as melhores refeições e tira gosto do mundo. Saborear a comida das elites!
          Funcionários subalternos misturados à chefia, tentando parecer educados enquanto enchem os bolsos do paletó barato e as bolsas e sacolas com doces e salgados “para as crianças” que ficaram em casa. Afinal nada de levar filhos, enteados, padrinhos, madrinhas a essas festas. A música de fundo era jazz da melhor qualidade, coisa que a maioria presente jamais ouvira, a não ser algo parecido no dentista. É claro que comentavam entre eles que estava faltando um bom funk carioca ou um pagode para soltarem as almas na ribanceira depois de algumas doses de uísque de qualidade.
          Quem estava acostumado a beber cerveja e cachaça o ano inteiro, se esbaldava em saquê e champagne como se não houvesse amanhã. Muitos cheiravam o copo e rodavam o vinho como se entendessem alguma coisa, depois o engoliam atrás de um canapé de salmão ou uma ostra com limão.
          Fumaceira de churrasco com carne de segunda jamais, longe disso! Lingüiça no espeto e coração de galinha nem pensar! Os mais ambiciosos tentavam participar de alguns círculos com o “Mandachuva” da empresa, mas sentiam-se rapidamente deslocados e se afastavam com um sorriso amarelo, prontos para se empanturrar de comida e bebida. A essa altura já estavam conscientes de que não dançariam na boquinha da garrafa nem urrariam pagodes, batendo palmas, incomodando a vizinhança. Os bêbados em excesso seriam carregados para fora pelos seguranças e ficariam sentados  no jardim até que melhorassem ou encaminhados por uma ambulância até o pronto socorro mais próximo. Já estavam se conformando em apenas comer bastante, beber muito e confraternizar entre si, contendo seus impulsos selvagens de fazer algazarra, aplaudir a secretária que suba na mesa para dançar nua e o Office boy que puxe um baseado e dance funk babando como um cachorro louco.



          Os de nível comportamental diferente, diretores e secretários de nível médio e intermediário na empresa os observavam como se fossem espécimes raros em um zoológico. Em nome do politicamente correto tentavam confraternizar com eles, mesmo sem conseguir esconder certo nojo com os que mastigavam de boca aberta e os que falavam enquanto mastigavam, propiciando uma visão do inferno. Era um festival de manchas de comida na roupa pelo desespero em se alimentar o mais rápido possível, cenas de pessoas engasgadas levando fortes tapas nas costas e indo vomitar no banheiro que assustava a quem nunca vira algo assim antes, afinal, rico é outra coisa! Rico tem outro comportamento, outra maneira de resolver as coisas, com elegância e fineza.
          Milionários não produzem escândalos rasteiros como discussão de cachaceiros por causa de futebol em churrascos, ou de faxineiras se estapeando e puxando o cabelo uma da outra por causa do vigia do turno da noite. Milionários resolvem os seus escândalos com sutileza, jamais lavam a roupa suja em público. As raras altercações em suas festas são abafadas entre os contendores mesmo, para garantir que as aparências sejam mantidas. Gente fina é outra coisa!



         A diretora de finanças, dona de um cargo importantíssimo na empresa estava presente. Discreta e elegante, limitava-se a beber champagne com parcimônia e observar, trocando algumas palavras com os mais próximos e evitando as raridades humanas. Loira, não muito alta, extremamente bem vestida, bonita, uns quilinhos de sobrepeso e porte superior, destacava-se pela autoridade que emanava naturalmente. As finanças em tempo de crise sempre eram o alvo dos ricos, e isso fazia dela o centro das atenções da chefia. Não andavam muito satisfeitos, mas nada é perfeito.
          Em um dos confortáveis sofás de couro espalhados pelo enorme salão de festas, percebeu a figura estranha e diferente de um homem que não parecia fazer parte dos funcionários da empresa. Ele estava em pé junto à porta de correr que conduzia à enorme varanda, com um copo em uma mão e a outra no bolso. Discrição parecia ser o seu nome, já que não se fazia notar. Não devia fazer parte da horda de subalternos que se esfalfavam no centro do faz-me-rir, isso lhe impulsionou a aproximar-se e fazer contato.
          O homem trajava terno preto de qualidade razoável e camisa branca. Não havia como definir o motivo de estar ali naquela festa, porque não parecia rico nem pobre, culto nem inculto. Era um mistério razoável para ela passar o tempo naquela situação.
          - Olá, como vai? – ela aproximou-se com um sorriso gentil e encantador não retribuído, mas sem cara feia. Ele apenas acenou com a cabeça, olhando-a com aspecto neutro.
          - Eu sou a...
          - Eu sei quem você é. – ele a interrompeu bruscamente, com voz tranquila – Diretora de finanças. Como vai, senhora?



          - Estou em desvantagem, então! – disse ela surpresa. – Quem é você? Trabalha conosco?
          - Indiretamente, na verdade. – ele deu um passo em direção à varanda, coisa que ela também o fez, inconscientemente – O seu chefe conta com os meus serviços, de vez em quando.
          - Puxa, eu não sabia. Você trabalha exatamente com o quê?
          - Presunto.
          - Presunto?! – ela sorriu, confusa – Desculpe, mas... Em que sua empresa alimentar tem a ver com a nossa? – ele olhou significativamente em volta e ela se tocou – Ah! Para festas, é claro. É o dono da empresa, senhor...?
          - Na verdade sou apenas um distribuidor. As pessoas solicitam presuntos e eu os providencio.
          - Entendo. – ela percebera que ele não lhe dissera o seu nome e que bebia água mineral. – Havia alguma coisa estranha, o homem não se importava com a festa. Mas que estava ali por algum motivo, estava. – Veio participar da festa ou apenas supervisionar se o presunto satisfez aos presentes? – novo sorriso incerto.
          - Mais ou menos. Encomendaram-me um presunto e eu vim buscar.
          - Como assim?! Veio buscar aqui? Mas não é distribuidor?
          - Posso lhe mostrar, venha aqui.
          Ela aproximou-se da amurada no canto para o qual ele se dirigiu, fora da vista de quem estava no salão e olhou para baixo, como ele fez.Era uns dez metros de altura. Ouviu um som abafado e olhou surpresa para ele e depois para baixo, à altura do coração. O vestido estava com uma mancha vermelha aumentando e ele com uma arma com silenciador em punho. Olhou-a nos olhos sem demonstrar qualquer emoção, curvou-se o suficiente para segurar suas  pernas e atirá-la por cima da amurada em direção ao chão.
          O corpo caiu sobre um carro estacionado sob a varanda com um estrondo, disparando o alarme e chamando a atenção dos presentes que correram para a varanda. Os pobres primeiro. Discretamente o homem se afastou, murmurando para o dono da empresa, antes de sair do local:
          - Presunto entregue.
          Festa de milionários é outra coisa.



Marcelo Gomes Melo

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