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O desespero das últimas horas



Ela costumava fazer tudo demais. Um exagero para lentes de contato que não fazem contato visual, desviam-se até um ponto no horizonte atrás de você e lhe faz se sentir vazio, ignorado por zero razão enquanto o mundo ao redor se despedaça como biscoitos amanteigados.
Não há razão para aplicar nem um olhar em direção aos desmoronamentos, às cidades virando pó. O que importa é encontrar os olhos dela compulsivamente, prossegui-los durante o caos, a última coisa decente a ser feita, à beira do precipício.
Obter qualquer resposta por parte da moça que costuma fazer tudo em excesso é impossível, porque ela jamais se manifesta em palavras. Faz questão de que as suas ações demarquem terreno e envolva ternamente, a capa de veludo tão desejada durante a geada.
O método correto é não mexer um milímetro, não arredar pé, aconteça o que acontecer, fazê-la enxergar a você durante a temporada final, entre os vapores tóxicos de um mundo à deriva.
Em que situação estaria tão confortável para confrontá-la que não fosse essa, em que respostas não serão dadas, e as perguntas evaporarão ante os olhos, desnecessárias como palavras de alento impossíveis de ouvir, sob o bombardeio ininterrupto que ensurdece e espalha o terror, mesmo em quem não tem nada a perder.
Encontrar os olhos dela será uma vitória! A última luz antes da total escuridão, o último brilho sobre as cabeças dos derrotados, vítimas da inocência e da empáfia.
Ela que sempre fez de tudo, em excesso, e estava disposta a manter o poder a todo custo, se dignaria a oferecer o seu olhar profético em meio às tumbas e às flores murchas? O sol não irá raiar quando o suposto amanhecer chegar. O amanhecer não mais acontecerá durante a queda dos edifícios e a humanidade definhando como formigas.
Todo o poder que ela exerceu estava agora entre as frágeis mãos que se contorciam e o olhar divino o qual ela continuava a negar, a não ser que fosse para proferir um julgamento rápido e cruel, incontestável.
Sim, ela costumava fazer de tudo exageradamente. Era de se supor que assim seria quando decidisse acabar com tudo, retirando tudo o que jamais prometera, apenas insinuara, e desse modo mantivera o controle pelo tempo que achara necessário. Agora nunca mais.


 Marcelo Gomes Melo

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