... As pessoas olham para mim e imediatamente contabilizam uns 70 anos de idade, quando de verdade tenho 3º anos menos. Deve ser porque trabalhei a vida inteira de sol a sol, cortando cana de açúcar em Jaú. A minha história pode ser triste, mas justifica essa aparência fora dos padrões desse século em que as pessoas frequentam academias e aplicam melhoramentos para o corpo, antinaturais que garantem juventude eterna, embora de forma corrosiva, nociva e pouco eficiente. Não enxergam o resultado quando se postam em frente ao espelho.
Como dizia, com sete anos de idade eu me levantava às três da madrugada junto com os meus pais; enquanto os meus irmãos menores dormiam, comia um pão seco, sem margarina e uma caneca de café ralo, passado com o mesmo pó por uma semana, pelo menos; depois nos postávamos em frente à casa e esperávamos a chegada do caminhão boia-fria que nos recolhia às quatro em ponto, em plena escuridão, já um calor abafado antes de o sol nascer.
Subíamos no caminhão com os apetrechos de trabalho e as marmitas retangulares de alumínio dentro de um saco plástico contendo nosso almoço, chamado de “bandeira do Japão”: arroz com um ovo frito estralado no centro.
Ao chegarmos ao canavial enterrávamos as marmitas sob a terra para mantê-las aquecidas durante o período em que trabalhávamos incessantemente. Os adultos com foices roçando a cana e as crianças arrastando os feixes até os carrinhos de mão em que outros adultos carregavam para encher os caminhões.
O trabalho sob o sol inclemente continuava até as dez da manhã, quando parávamos para a refeição. O sol ia alto, um para cada um de nós. Bastava desenterrar as marmitas para encontrá-las fervendo. Fazíamos uma colher com casca de cana e nos sentávamos no chão entre os canaviais procurando uma nesga de sombra. Quinze minutos para almoçar antes do retorno ao trabalho. Nos caminhos nos quais circulávamos havia diversos baldes com água e uma concha, para evitar que nos afastássemos para matar a sede.
Por volta das três da tarde nos serviam um pão seco que devorávamos avidamente com água, em pé mesmo. Cinco minutos de tolerância antes do retorno. Dia após dia era assim que funcionava a rotina até as seis da tarde, quando o caminhão encostava e mal tínhamos força para subir na boleia. Nos entregavam cada qual no seu casebre.
O meu pai acendia as velas e conferia os meus irmãos menores, enquanto a minha mãe cozinhava o jantar. Era o mesmo prato do almoço, só que acrescido de sobremesa, uma ou duas toras de cana docinha. Um breve banho frio, mamadeira de mingau de arroz para os pequenos e, por volta das nove, breu total, adormecíamos exaustos, sem pensar em nada. Para reiniciarmos o ciclo às três da madrugada do dia seguinte...
Continua...
Marcelo Gomes Melo
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