Forças
de poder imensurável colidem entre si e causam inúmeras mudanças físicas,
geográficas, intelectuais extrassensoriais... Tais forças são comuns e,
manipulando ou sendo manipuladas, ultrapassam o que é considerado natural, se
opõem ao senso comum criado para manter o equilíbrio dos seres no topo da
cadeia alimentar, evitar que consumam a eles mesmos através dos sentimentos que
os diferenciam das outras espécies, mas se tratam uma arma a ser usada entre
si. Para o bem ou para o mal.
Essas
forças poderosas costumam surgir como um acalanto e, do nada, apoderaram-se
instantaneamente; nesse instante reações acontecem. Químicas, físicas, eólicas,
não importa, transformam.
Que
a sua paixão seja pela vida, pelas sutis e constantes mudanças que lhe causam
alegria, tristeza, melancolia, euforia... E essa paixão lhe garante emoções
sóbrias, equilibradas, ajudam na composição dos seus sonhos e no preparo dos
seus planos para uma evolução espiritual, financeira, comum, normal como a
grande maioria.
E
então essa paixão equilibrada, sóbria, choca-se com outra força poderosíssima,
inesperada, que invade e cerca, e destrói como uma erupção vulcânica, uma onda
destruidora, imparável que é o amor por outra pessoa, inexplicável e aterrador.
A colisão de dois mundos forma, entre escombros, uma lua na qual sobreviver,
menor, fria, mas um farol que ilumina as noites escuras.
Não
haverá mais sol. Escuridão e noites de lua cheia se alternarão; meteoros
sobrevoarão perigosamente suas cabeças desesperadamente tomadas por paixão,
desejo e todas as dúvidas que acompanham o cardápio, enganando os sentidos,
provocando discórdia e atormentando tanto quanto iluminando e distribuindo
prazeres e dores. Em quantidades generosas capazes de confundir e destruir aos
que não estão preparados para sobreviver, chamuscados, mas de mãos dadas.
É
comum que aconteça o pior, e ambos os apaixonados não se recuperem, perdendo a
paixão inicial, subjetiva, e também a paixão crucial, carnívora, insensível,
controversamente incutindo sentimentos paralelos que quando se cruzam,
implodem, determinam novos parâmetros, enlouquecem.
A
sua culpa será óbvia, única, inexplicável e palpável ao mesmo tempo. Os normais,
ainda não confrontados pelas duas paixões inebriantes e desoladoras e olharão
como um estorvo à beira de um caminho maravilhoso que leva à praia.
A
pergunta inevitável surge sempre quando é tarde demais: você se sentiria confortável
em continuar no time dos normais?
Acontece
mais vezes do que se imagina, e a ampla maioria inadvertidamente. A atitude
exacerbada dos pais pode causar diversas reações nos filhos, as vítimas, embora
haja uma saída. Para os filhos, não para os pais.
A
rebeldia é um acessório necessário, surge à época certa para evitar que sejam
engolidos pelas atitudes embaraçosas às quais os afetariam implacavelmente pelo
resto de suas vidas. Vejam o exemplo desse jovem, Lindigenho, rapaz nascido e
criado em cidade pequena, filho de pais rigorosos e justos, amorosos em excesso
e inteiramente desprovidos de noção.
Era
sábado à tarde, e o jovem Lindigenho, de folga do trabalho estava há horas se
arrumando para um encontro com uma garota nova na cidade, sobrinha do influente
dono da única farmácia do lugar, vinda do Rio de Janeiro passar férias.
Eles
se conheceram na praça e se deram bem; corajoso como um rato, Lindigenho suou,
tremeu, mas a convidou para sair no sábado à noite. Tomar uma cerveja na maior
lanchonete da cidade e depois dar uns tiros no parquinho de diversões para quem
sabe, faturar um bicho de pelúcia.
O
grande problema é que essas garotas cariocas não são tímidas e passivas como as
caipiras com quem Lindigenho estava acostumado a lidar. Dirigindo o Fiat Uno
que o tio usava para fazer entregas resolveu buscar o rapaz na tapera em que
residia com os pais. Quando estacionou e se aproximou da casa, Ester, fala-se “Eixterr”
no carioquês original, descobriu o casal na varanda, sentado em cadeiras de
balanço, fumando cigarro de palha, com um garrafão de cachaça e dois copos no
chão entre eles. Eram os pais de Lindigenho.
-
Boa noite! – ela cumprimentou sorrindo gentilmente.
-
Noite, moça! – responderam em uníssono, desconfiados. Evidentemente a achavam
exótica.
-
Eu vim buscar o... – Antes que ela terminasse a frase, a mulher da cadeira de
balanço gritou estridentemente:
-
CHEROOOOOOSOOOOOO! Vem cá, cheroso, tem uma moça aqui te aprecurano. CHEROOOOOOOSOOOOO!
-
Moça, o cheroso não fez nada errado, não, fez? – parecia preocupada – A senhora
é mulé dama da casa da luz vermeia? O desgraçado não lhe pagou o que devia?
CHEROOOOOOSOOOOO!
-
Não, senhora, eu não sou...
-
Deixa de ser besta, muié! – interrompeu o pai – O nosso Cheroso paga por mês,
não ia ficar devendo na casa das muié dama.
-
Os senhores estão enganados, o meu nome é Eixterr, o Eugênio...
-
Eugênio?! O nome do nosso fio não é esse não! – cortou a mãe, sorrindo – O cheroso
foi batizado Lindigenho.
-
Porque quando nasceu nois viu que ele ia ser lindi – disse o pai – E...
-...
E o genho foi em homenagem ao sinhô meu pai, que Deus o tenha, cuja graça era
Ogenho! – explicou a senhora.
-
E olhe, moça, que o fdp é trabaiadô que nem a pqp! – disse o pai, entusiasmado –
Cheroso começou cedo na roça ajudano eu, prantano, capinano...
-
Agora subiu na vida, moça! – a mãe tomou de um gole o conteúdo do copo antes de
encher novamente e continuar – Ele não tem estudo, não senhora, mas conseguiu
um emprego como funcionário público e é respeitado por todos, um excelente
partido!
-
CHEROOOOOOSOOOO, PQP, vem logo! A moça bonitona tá te isperano, cadê ocê, homi?
– Ester sorria, divertindo-se com a conversa, mas o ra[paz nada de aparecer. A
mãe continuou: - O cheroso é moço respeitador e um dos mió partido da região,
moça! Tão bão que nem é partido, é intero!
-
Então ele é funcionário da prefeitura? – Ester puxou assunto.
-
Sim senhora, ele chefe! Chefe dos limpa fossa da cidade!
-
O departamento tem dois funcionários, ele e um outro rapaz, mas ele é o chefe!
Ele conhece todas as fossas da cidade; dos ricos e dos pobres.
-
Isso memo, Ontoim – a mulher completou a informação do marido: - Cheroso sabe
diferenciar os tipo de bosta de quarqué um na natureza. Seje rico ou seje pobre,
se defecou em uma casa dessa cidade, ele conhece.
-
Aposto que as fezes da senhora são das mais cherosas – elogiou o pai, cortês –
Cheroso cavou e desentupiu a maioria das fossas dessa região! De vez em quando
é chamado pelas cidades vizinhas porque é bom no ofício.
-
*CHEROOOOSOOOO! – a mãe estava impaciente – Hoje ele tumô baim de
acetona, de água sanitária, dispoi gastou quatro sabunete, dois vrido de
perfume e dois de desodorante. Tá mais cheroso do que fi de vendedô de chá de
hortelã! Agora que nois sabe o motivo!
-
A moça não qué se assentá, uma com limão? Osvalda, pega limão!
-
Não, não, obrigada, eu tenho mesmo que ir. Por favor avise o Eugê... O
Lindigenho que o vejo mais tarde na lanchonete. Até mais ver!
Eles
observaram Ester se afastar, entrar no Uno e sumir na escuridão.
-
Oia, Osvalda, o Cheroso tá se dano bem, né muié?
-
Pai, mãe... Vocês precisavam me envergonhar daquele jeito?! Arrasaram com a
minha vida! – Lindigenho estava prontinho, de chapéu, botinas lustradas, camisa
xadrez, claramente aborrecido – Minha vida nessa cidade ACABOU!
-
Craro que não, cheroso! Nem deu tempo de contar a origem do seu apelido!
-
Mãe! Querem saber? Eu vou embora dessa cidade agora mesmo! Nunca mais piso
aqui! Tentarei a sorte em São Paulo!
-
Cheroso, que é isso, cheroso?! Fica assim não!
E
cheiroso foi visto a pé, com uma trouxa de roupas na ponta de um cabo de
vassoura afastando-se da cidade rapidamente, tencionando seguir para São Paulo
em um caminhão pau de arara. Os pais jamais saberiam como afetaram a vida dele.