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Em busca do jardim das delícias



          Eu não sou um homem de eufemismos, sou um cidadão dado a hipérboles por natureza. E quando ela, uma desconhecida, abriu aquele sorriso largo e inconsequentemente sexy, repetindo o elogio que recebeu do homem que saiu do elevador (Com licença, Flor), olhando pra mim...
          - Ele me chamou de flor! – e a voz dela era suave e encantadora, sem qualquer traço de frescura, quente, espalhando uma sensação enorme de prazer em seu redor, não pude conter a minha propensão natural a exageros poéticos.

          - Você não é uma flor! – retruquei, fingindo um ar surpreso. E então completei: - Você é um verdadeiro jardim das delícias! – e o meu olhar abarcou-a sem agressividade, dos pés à cabeça.

          Foi aí a minha vez de ficar surpreso, pois a desconhecida corou. Eu jamais havia presenciado uma mulher, adulta ou não, enrubescer em pleno século XXI! Após aquele momento em que o sorriso dela se perpetuou, passamos de desconhecidos a quase conhecidos.
          Aquele início de dia ficou no meu pensamento como uma pintura com som. Em que pesem as hipérboles, paradoxalmente me considero um baú do filme A Múmia: fechado, antigo, misterioso, empoeirado, quieto... Fui incapaz de compartilhar o fato com quem quer que fosse, mesmo porque pareceria absurdo explicar logicamente que eu parti e o sol ficou com ela.

          Era quase noite quando retornei, como todo dia era a imagem do cansaço; gravata frouxa, botões da camisa abertos, a pasta 007 na mão direita, cheia de nada importante, mas ainda assim o melhor acessório que eu carregava, levei um choque de felicidade. Era ela, a flor! O jardim das minhas delícias! Em pé na entrada do prédio, os braços cruzados de forma elegante, cabelos ondeando à brisa, um vestido leve, florido, descobrindo as batatas da perna, os belos joelhos e um pedacinho das coxas roliças. O sorriso de sol reapareceu, acelerando o meu metabolismo imediatamente.



          O meu sorriso, acostumado a sair espremido, a conta-gotas pelo canto da boca, dessa vez libertou-se e se derramou como as cataratas da Foz do Iguaçu. Passei a caminhar ereto, quase largando a pasta tentando não correr para não passar ridículo; agora eu, com certeza não perderíamos a oportunidade, esticaria a conversa. Talvez um convite para um drinque...
          Fui me aproximando e o perfume dela tomou conta de mim a ponto de achar que caminhei de olhos fechados até abri-los próximo a ela.

          O mundo escureceu. Gelou. Meu corpo enrijeceu. Fiquei pálido. Não era ela! Foi produto do meu sonho encontra-la naquele momento. Tratava-se da maldita síndica de braços cruzados e com a cara fechada de sempre. Engoli em seco, murmurei um boa tarde quase inaudível, tropecei no primeiro degrau da escada e me equilibrei a duras penas, decepcionado. Tudo fora produto do meu cérebro sonhador.

          Nunca vi tanta tristeza habitar aquele espaço pequeno do corredor até o meu apartamento. Entrei largando a pasta e atirando o paletó e a gravata no espaldar da cadeira da cozinha. Peguei uma cerveja na geladeira e derrubei o corpo no sofá, desanimado.

          Ao ligar a televisão para assistir ao noticiário mantive no pensamento a esperança dos solitários. Quem sabe amanhã eu consiga encontra-la no elevador outra vez e...



Marcelo Gomes Melo

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